São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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Câmbio e mágica besta

ANTONIO DELFIM NETTO

Não sem alguma razão, começa a discutir-se entre nós a possibilidade de que o "câmbio real" esteja atrasado. As diferentes medidas desse fato não chegam a dar indicações precisas, mas há um forte sentimento dos exportadores de produtos manufaturados de que mesmo os ganhos de produtividade recentes foram incapazes de deter a queda da taxa de retorno dessa atividade.
É óbvio que falar em "câmbio real atrasado" só tem sentido se existir uma relação entre as variações do câmbio "real" (qualquer que seja a sua definição) e as variações do saldo de balanço comercial. Se, como acreditam alguns economistas, baseados em estudos empíricos duvidosos, as variações do câmbio "real" têm uma influência "apenas marginal" sobre o saldo comercial, a preocupação que toma conta de algumas pessoas não passa de pura imaginação. Infelizmente, o problema é um pouco mais complexo, como mostra o caso argentino (e como vimos no Plano Cruzado e no Collor 1).
O quadro abaixo revela a diferença de comportamento de nossas exportações, comparada com as exportações mundiais, em dois períodos bem distintos:
No período 1979/84 tivemos uma política cambial agressiva, com o câmbio "real" (taxa de câmbio nominal multiplicada pelo preço do atacado nos EUA e dividida pelo custo de vida no Brasil) mantido elevado. Nossas exportações cresceram à taxa de 12% ao ano, a despeito da recessão mundial, revelada no fato de que as exportações mundiais cresceram 2,7% ao ano.
No segundo período (84/93) tivemos uma tragédia, não uma política cambial: dois congelamentos da taxa de câmbio nominal, separados por uma tentativa desesperada de recuperação. Nossas exportações cresceram à ridícula taxa de 4,1% ao ano, enquanto as exportações mundiais se expandiam a 8,3% ao ano.
Há sempre uma possibilidade de que tal resultado nada tenha a ver com o câmbio "real". Talvez ele tenha sido produzido por algumas outras variáveis ainda não conhecidas. Ou talvez só acreditem nele velhos economistas não familiarizados com os sofisticados métodos estatísticos capazes de obscurecer qualquer relação mais ou menos iluminada pelo senso comum.
Os técnicos governamentais devem pelo menos desconfiar dessa possibilidade, antes de se meterem a fazer outra mágica besta! Quem tiver dúvidas sobre o problema, não deve deixar de ler o excelente artigo "Balanço comercial e taxa de câmbio real", de autoria de João Marcus Marinho Nunes, publicado na "Revista de Economia Política", edição de janeiro/março de 1994.

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