São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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Sarney foi pressionado, diz Maílson

FREDERICO VASCONCELOS
EDITOR DO PAINEL S/A

O ex-ministro da Fazenda do governo José Sarney Mailson da Nóbrega disse que o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia pressionou o então presidente Sarney a aprovar as importações de Israel, sobre as quais pesam suspeitas de superfaturamento.
Por conta dessas importações e suas supostas irregularidades, o Ministério Público Federal denunciou Quércia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a acusação de estelionato. Quércia nega qualquer ato irregular e atribui a denúncia a perseguições políticas.
Segundo o ex-ministro da Fazenda -que não aprovou a operação-, as pressões lhe eram passadas por Sarney.
Operação estranha
"Embora nossas objeções fossem de ordem técnica, a operação era estranha, sob todos os aspectos", disse Mailson.
A denúncia do subprocurador-geral da República Paulo Sollberger, acusando Quércia de estelionato, faz menção a ofício que Quércia enviou a Sarney.
A correspondência é de 27 de janeiro de 1989, logo depois da assinatura do "protocolo de cooperação" firmado com o ex-cônsul de Israel, Tzvi Chazan, amigo e padrinho de casamento de Quércia.
No ofício, Quércia menciona a oferta de crédito de US$ 450 milhões de empresas israelenses para vários projetos, inclusive investimentos nas três universidades.
Sollberger destaca que o ofício já mencionava que "todos os bens por importar não possuem similar nacional".
Ou seja, o mesmo motivo alegado pela Trace Trading Company, empresa intermediária, para a dispensa de licitação.
Direcionamento
Segundo a denúncia, isso demonstra que Quércia "estava direcionando os órgãos do Estado no sentido de comprar os equipamentos ofertados pela Trace".
Em seu depoimento, Arie Halpern, da Trace, disse que vinha buscando no exterior recursos financeiros "para a aquisição de equipamentos, produtos e serviços de origem israelense".
Os termos usados por Halpern são exatamente iguais aos citados no ofício enviado pelo ex-governador Orestes Quércia ao ex-presidente José Sarney.
Quércia propôs a compensação de dívidas da Alemanha Oriental com Israel (país credor da Alemanha Oriental que, por sua vez, devia ao governo brasileiro).
Essa operação, contudo, exigia aprovação do governo federal. Os pareceres do BC (Banco Central) e da Secretaria do Tesouro foram desfavoráveis à operação.
Segundo Mailson, "ela abria um precedente para outros governos, estimularia a busca de intermediários de crédito e um endividamento adicional dos Estados".
"Se o Estado não pagasse, o BC teria que cumprir a inadimplência", diz Mailson, que sofreu fortes pressões para voltar atrás.
"Sarney acatou a decisão. Mas foram fortes as pressões do então secretário da Fazenda José Machado de Campos Filho", diz.
Machado também foi denunciado por Sollberger, junto com Quércia.
"Mas terminamos o governo sem autorizar a operação", diz Mailson. Halpern disse à Polícia Federal (PF) que a unificação das Alemanhas inviabilizou a operação.
Paraíso fiscal
As importações de Israel foram realizadas então por meio de uma empresa criada no paraíso fiscal da Irlanda, a Sealbrent Holdings, sem aprovação do BC.
Sollberger juntou à denúncia documento do BC, informando que ainda não havia sido concedido o registro da operação de financiamento das importações.
Faltavam documentos para regularizar as remessas ao exterior.

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