São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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Em busca de mais qualidade

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Durante quatro dias, entre 1º e 4 de maio, ombudsmen de 28 jornais em 11 países diferentes, mais seis professores de jornalismo, estiveram reunidos na cidade de Minneapolis, no meio-oeste dos Estados Unidos, na 13ª edição anual da conferência da ONO (Organization of News Ombudsmen). Foi a versão mais internacional desse encontro, que teve 25 jornalistas norte-americanos, três do Canadá, dois da Espanha e um da Holanda, França, Japão, Coréia do Sul, Israel, Colômbia, Paraguai e Brasil. Se o jornalismo feito nesses lugares é bastante diverso e tem características muito particulares, os problemas dos leitores parecem ser os mesmos: estão todos interessados em notícias corretas, isentas e que cheguem rapidamente aos jornais. Quando não é assim, sabem o que fazer: procuram o ombudsman.
Foram 10 palestras e dois workshops nesses quatro dias, mais três almoços e dois jantares que também acabaram se transformando em fórum de discussões e troca de idéias. Na última dessas reuniões, quando o secretário-geral da ONO quebrou o gelo oferecendo prêmios (borrachas gigantes entre eles) para as correções mais absurdas e engraçadas que os ombudsmen conseguiram que seus jornais publicassem recentemente, foi possível entender que um jornal como a Folha não é pior nem melhor do que muitos outros feitos em lugares tão diferentes. Pelo contrário: a circulação da Folha, que hoje encosta nos 800 mil exemplares aos domingos, é motivo de espanto entre os jornalistas estrangeiros. Da mesma maneira, o volume de leitores que procuram a ombudsman (a média tem sido de 35 por dia, entre cartas e telefonemas) também impressiona. Descontando-se o "Yomiuri Shimbun", editado em Tóquio e com uma circulação de 10 milhões de exemplares somente em sua edição matinal (o jornal tem 27 ombudsmen atualmente), só "The Washington Post", com o dobro da circulação da Folha, tem mais manifestações de leitores: não passam de 40 por dia, contou Joann Byrd, a ombudsman.
A conferência de 1994 não colocou a cobertura do "affair" entre o presidente Itamar Franco e a modelo Lílian Ramos no programa, mas os ombudsmen quiseram descrições detalhadas. Quase todos os jornais representados no encontro publicaram a notícia de que o presidente brasileiro foi flagrado no Carnaval ao lado de uma modelo sem calcinha. Mostrei aos ombudsmen algumas reportagens sobre o caso, as fotos que saíram nos jornais, as colunas que escrevi sobre o tema, e tentei fazê-los entender como, mesmo num país de costumes liberais como o Brasil, o caso foi tratado como escândalo. O assunto fez sucesso na conferência, a ponto de ter se transformado em discussão obrigatória nos intervalos das palestras. A opinião, unânime, foi de que a imprensa brasileira "sensacionalizou" a cobertura.
Um jornal como a Folha não erra mais nem menos do que outros jornais, e não corrige mais nem menos erros que outros jornais representados no encontro. O leitor pode ter certeza de que a Folha se encaixa numa espécie de padrão internacional, em que todos, jornalistas e leitores, sabem que é preciso melhorar muito, e rapidamente, para satisfazer um público cada vez mais exigente. Isso obriga, por exemplo, jornais americanos a rever suas coberturas esportivas em que aparecem mulheres. Especialmente depois do caso que envolveu as patinadoras Tonya Harding e Nancy Kerrigan, quando a primeira foi acusada de planejar um ataque que tirasse a rival das competições, os leitores estão exigindo reportagens menos "sexistas". Chega de tratar a mulher como um ser diferente, que quando ganha uma competição esportiva é mostrada em fotos sentimentais, e tem suas obrigações de mãe e esposa decantadas em perfis –essa é a reclamação dos leitores. Os jornais também discutem um tratamento menos "racista" para atletas, e já há quem, como o "Star Tribune" de Minneapolis, esteja abolindo apelidos pejorativos em suas páginas de esportes.
No Brasil, não temos esse tipo de problema –ainda. Mas uma pesquisa apresentada na conferência sobre como os jornais americanos estão cobrindo assuntos relacionados a medicina e saúde poderia ter sido feita aqui. No geral, o leitor acha que as reportagens: 1) mais confundem do que explicam, 2) apresentam tudo, de vitaminas a cafeína passando por medicamentos experimentados como aspirina, como risco, 3) não têm prosseguimento, ou seja, algo que é proclamado como nocivo pelos jornais de hoje some dos jornais de amanhã e 4) anunciam a esperança total (a cura do câncer, por exemplo), ou a desesperança total (quantos de nós terão Aids no ano 2.000).
A certeza de que nós, ombudsmen, temos todos os mesmos problemas e um longo caminho pela frente acabou sendo reforçada por uma piada que circulou no encontro, impressa –como não podia deixar de ser. Diz ela: se um cachorro morde um homem, isso não é notícia. Se o homem morde o cachorro, também não é notícia. Se o homem estivesse pagando ao cachorro por seus favores sexuais, aí sim seria notícia. Mas não seria uma notícia de primeira página. Para ser manchete, cachorro teria de ser menor de idade e o homem deveria ter um cargo importante no governo. Ou o cachorro e o homem deveriam ter, ambos, o mesmo sexo –a menos que trabalhassem no cinema, o que transformaria a manchete numa notinha da coluna de fofocas. Se o cachorro tivesse falsificado o nome de alguém bastante conhecido num cheque, aí seria notícia de novo. Agora, se o cachorro fosse um grande anunciante, o caso teria muito menos interesse do que poderia parecer a princípio.
Ao ler a piada, todos nós rimos muito, e rimos de nós mesmos. Pensamos, todos, em como o ombudsman desse hipotético jornal estaria sofrendo para manter as coisas em ordem. Como se vê, há muito o que trabalhar por uma imprensa de qualidade, no mundo inteiro.

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