São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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Como derrubar o Muro de Berlim no urbanismo paulistano

RAQUEL ROLNIK

Em artigo na Folha de S.Paulo de 20 de abril, o secretário de Desenvolvimento Urbano do município de São Paulo e ex-prefeito da capital, sr. Reynaldo de Barros, lamenta as dificuldades que a administração Maluf está tendo para implantar o projeto de extensão da av. Faria Lima, frente às várias formas de resistência que os moradores do local têm encontrado para impedir a obra.
Em sua argumentação, absolve a Prefeitura de São Paulo da responsabilidade de destruir pedaços da cidade, atribuindo ao "dinheiro e especulação imobiliária" (palavras dele) este ônus. A prefeitura estaria, assim, apenas abrindo caminho para o progresso e a modernidade, que radicais do PT e PC do B, com sua "ortodoxia marxista" estariam tentando inviabilizar "por razões ideológicas".
Ora, bem se vê que o sr. secretário anda meio desatualizado no debate político e urbanístico que se trava hoje mundo afora e que se reflete na discussão que a obra da Faria Lima suscitou na cidade.
Há muito que a Karl Marx Alle –em Berlim Oriental– e a Quinta Avenida –em Nova York– não se opõem como símbolos de dois modelos contraditórios de cidade e sociedade. Mesmo porque, em termos estritamente urbanísticos, a matriz desses dois modelos foi rigorosamente a mesma: um funcionalismo exacerbado, a ditadura da produtividade e da circulação, a negligência absoluta à especificidade local e, finalmente, nenhuma democracia no processo de gestão urbana.
A diferença –nem um pouco desprezível– é que embora em ambos os casos gerações de cidadãos foram oprimidos por um urbanismo totalitário, no caso do capitalismo norte-americano, este serviu também como forma de acumulação privada de capital em mãos de poucos.
Por outro lado, a era do urbanismo tecnocrático, que acredita, como o sr. secretário, na neutralidade técnica de uma obra, foi-se pelo mesmo ralo que engoliu o urbanismo funcionalista.
Em qualquer obra, interesses são contrariados, outros são privilegiados e não há nenhum modelo de boa cidade universal e absoluto, capaz de funcionar como justificativa técnica para qualquer decisão. A questão é explicitar esses interesses, permitir que eles se manifestem e criar formas democráticas de decisão.
A princípio, diante do grau de congestionamento do trânsito de nossa cidade, qualquer obra viária é necessária. Porém, exatamente por isso é preciso discutir prioridades.
A obra da Faria Lima não gera novas centralidades, novos pólos de emprego, comércio e serviços. Reforça sim o eixo mais do que concentrador da Paulista/Jardins/marginal Pinheiros, colocando mais pedras no nosso Muro de Berlim paulistano, aprofundando as diferenças entre o pedaço dinâmico e rico e o pedaço pobre (embora com enorme potencial) que são as zonas leste e sudeste.
Apesar da demora, do incômodo que isso possa representar para o sr. prefeito e sua equipe, devemos defender até o fim o direito de todos os interesses afetados se manifestarem. Nessa e em qualquer grande obra desta cidade. A era das ditaduras, graças a Deus, parece estar chegando ao fim.

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