São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 1994
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Livro prefere a mitificação

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DA "ILUSTRADA"

Apesar das boas intenções, "Luz del Fuego, a Bailarina do Povo" anda na contramão da tendência editorial das biografias. Recuperando um modelo que vigorou por muito tempo, as autoras preferiram romancear a vida de Dora Vivacqua, em detrimento de uma apresentação que deveria privilegiar a análise.
Se, nos primeiros capítulos –que narram a trajetória da família de imigrantes italianos e a força feminina dos Vivacqua na figura da bisavó paterna de Dora–, a opção romanesca chega a ser atraente, o período de maturidade –em que Dora se torna Luz– é descrito como uma sucessão de fatos desencadeados.
Um exemplo é o capítulo que dá subtítulo ao livro. As autoras limitam-se a transcrever as ousadas manifestações públicas de Luz, o que deixa a impressão final de que sua meta era tão só o escândalo.
O que se perde é a disposição subversiva de Luz, pois sem ousar estabelecer vínculos com a sociedade e com a história do período, as autoras perdem a possibilidade de situar para o leitor a dimensão moral das performances eróticas de Luz em seus confrontos com a censura e, ao mesmo tempo, o significado de seu trânsito entre os políticos da época.
O objetivo declarado de enfatizar o caráter libertário de Luz del Fuego como um ícone pioneiro do feminismo –luta política, recusa das funções tradicionalmente imputadas à mulher, como mãe e esposa, autonomia no uso do próprio corpo– se dispersa na sucessão de escândalos.
Outra falha do projeto é a ausência de uma cronologia capaz de orientar o leitor. A utilização de expressões como "cinco anos depois" e "24 meses e 17 dias" não permite situar os fatos, pois não oferecem uma referência definida.
Por mais agradável que seja sua leitura, "Luz del Fuego, a Bailarina do Povo" abandona a oportunidade de esclarecer e se limita a reiterar o mito em torno da deusa das cobras.

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