São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 1994
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Contagem regressiva

JOSÉ SERRA

Com o anúncio de que o real será criado em 1º de julho, começa a correr o prazo para que o Plano de Estabilização, lançado pelo ex-ministro Fernando Henrique Cardoso e agora conduzido pelo ministro Rubens Ricupero, entre em sua terceira e decisiva fase.
Tenho esperança de que o plano dará certo. Esperança combina razão com desejo e a minha decorre da vontade de que os resultados sejam positivos, mas também de uma análise das condições de sucesso.
Já houve um ajuste fiscal razoável. Novas medidas devem ainda ser tomadas nessa área, mas o avanço foi considerável. Em seguida, veio a etapa da URV, cuja essência, por estranho que pareça, foi encurtar os períodos de indexação e unificar os indexadores. Como disse com precisão o professor Affonso Pastore, "o objetivo é indexar tudo à URV para que na hora do real a economia possa ser desindexada instantaneamente".
Exatamente porque se encurtou a indexação, a inflação em cruzeiros subiu. A alta era previsível, e por isso se promoveu o reajuste mensal integral dos salários e das aposentadorias, a fim de evitar perdas definitivas. Com a criação do real e a eliminação da indexação automática, a inflação desabará.
Com a queda da inflação, o poder aquisitivo dos salários vai crescer fortemente ao longo do mês. Este é um dos motivos para que se preveja um aumento do consumo. O outro relaciona-se com a ilusão monetária: muitos poupadores não entendem que o ganho de suas aplicações é dado pelo juro real (0,5% ao mês na caderneta de poupança) e que o resto é só correção pela desvalorização da moeda. Quando a inflação cair, imaginando que estarão ganhando menos, poderão desviar recursos da poupança para o consumo. Essas tendências, aliás, refutam um mito difundido por partidos e candidatos que torcem contra o plano: de que o real trará consigo recessão, desemprego e arrocho. Será o contrário.
Do ponto de vista econômico, há duas condições para que a inflação se mantenha no chão: uma gestão ortodoxa e correta da política monetária (oferta de moeda e taxa de juros) e uma administração feliz do câmbio. Não falta competência na equipe econômica para que ambas sejam bem-sucedidas. Chamo a atenção, no entanto, para a necessidade de promover alívios tributários nas exportações e maior isonomia entre a produção doméstica e as importações, que hoje são menos tributadas do que os produtos locais. Isto aliviaria eventuais defasagens na taxa de câmbio.
Do ponto de vista político, os candidatos e partidos que torcem para que o plano dê errado cometem um grave equívoco. Primeiro, de análise: não é a queda da inflação que elegerá por si só o senador Fernando Henrique. Segundo, de perspectiva: o eventual fracasso de um plano democrático de estabilização, sem surpresas, congelamentos ou confiscos, teria consequências graves para o Brasil e para o próximo governo. Seria um tiro no próprio pé de quem pensa ganhar as eleições.

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