São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 1994
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A demanda do Plano FHC

ANTÔNIO CORRÊA LACERDA

Uma série de fatores devem presisionar a demanda, tanto nessa fase da URV, como após a introdução da nova moeda, quando a inflação tende cair significativamente (mesmo que por um curto período). Paradoxalmente, ao mesmo tempo que o aquecimento da demanda tem seus efeitos benéficos para o mercado, dado principalmente o efeito renda daí decorrente, a desorganização da economia brasileira torna este aspecto preocupante, na medida em que seus efeitos se façam sentir e quanto à sustentabilidade do processo.
Durante a fase URV a demanda tende a ser pressionada não só pelo efeito da maior manutenção do poder de compra dos salários (comparativamente à política salarial anterior), mas porque a uniformização proporcionada pela URV induz a utilização do crédito, com a certa segurança dos consumidores da existência de paridade entre a correção salarial e das pestações.
Após a entrada do real, um terceiro fator deve ser somado a estes dois, que inclusive estarão magnificados pela queda brusca da inflação. O fim da "ilusão monetária" deve dirigir recursos para o consumo, favorecendo, em um primeiro momento, as indústrias de bens populares, como alimentação, vestuário, higiene e beleza etc.
A exemplo do que ocorreu no Plano Cruzado, a pressão de demanda pode gerar desequilíbrios no mercado, como o desabastecimento localizado ou o espaço para elevação de preços. A diferença é que hoje a economia está mais aberta à concorrência internacional e o nível confortável das reservas pode ser utilizado para incentivar importações que supram uma eventual carência do mercado.
No âmbito interno, a pressão de demanda encontra uma restrição estrutural de oferta que, no curto prazo, dificilmente pode responder a um aumento continuado. O baixo nível de investimentos da economia nos últimos anos (cerca de 15% do PIB) representa um verdadeiro entrave à expansão da oferta. Uma elevação do investimento, na medida em que o cenário se torne menos nebuloso, exigirá um tempo de maturação, até que se faça sentir o seu efeito na expansão da capacidade produtiva.
Está certo que mesmo com este baixo nível de investimentos a economia brasileira cresceu 5% no ano passado, puxada pela indústria que produziu cerca de 9% a mais que no ano retrasado. Mas isso porque havia um nível considerável de ociosidade proporcionada pelo longo período de recessão e que, gradativamente, vai sendo preenchida na medida em que a produção se recupere, processo que continuou sendo observado nos primeiros meses deste ano.
Para evitar que o efeito da demanda provoque um desequilíbrio ainda maior na economia, o governo tende a utilizar a calibragem das taxas de juros e a restrição ao crédito, no intuito de diminuir o consumo. No entanto, quando há uma redução brusca na taxa de inflação, como deve ocorrer quando da introdução do real, esta medida tem um efeito restrito porque o juro real mesmo elevado não é tão perceptível para a população (que tende a olhar mais para a redução da taxa nominal), além da desconfiança de que a estabilidade não seja duradoura (o que leva as pessoas a consumirem "antes que os preços subam").
O longo ciclo de estagflação da economia nos torna reféns do "stop and go" da atividade econômica que acaba sendo restringida ora pela aceleração da inflação ou das medidas de estabilização, ora pela restrição da oferta, no âmbito estrutural. A retomada sustentada do desenvolvimento imprescinde da estabilização, mas o que também pressupõe um mínimo de continuidade e credibilidade nas regras, para que os agentes econômicos voltem a investir na produção e isso proporcione expansão da capacidade produtiva.

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA, 37, economista, é professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e vice-presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-SP).

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