São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 1994
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Greve no serviço público

LINCOLN DA CUNHA PEREIRA

Uma vez mais agentes da Polícia Federal entraram em greve, trazendo de volta a questão da propriedade –e mesmo legalidade– desse tipo de ação sindical no serviço público. É de novo o caso de indagar se tem cabimento a paralisação de professores da rede oficial de ensino, de servidores da saúde pública, de funcionários do Metrô, de empregados de empresas estatais e de outros núcleos bem organizados, aos quais se juntou nos últimos tempos os agentes da Polícia Federal. Faz sentido que o servidor público, que deve ser um servidor do público, use o direito de greve?
A boa e serena análise da questão deve começar pela premissa de que a decisão de cruzar os braços constitui o mais poderoso instrumento legal à disposição dos trabalhadores. Quando outras instâncias de negociação e de pressão revelam-se insuficientes para sanar uma injustiça ou para atingir objetivo considerado essencial, entende-se que a categoria lance mão da arma mais poderosa. Fora daí, configura-se o fenômeno do grevismo, que as lideranças operárias consequentes reconhecem como a perigosa doença infantil do sindicalismo.
Desde a estruturação da classe trabalhadora no Brasil, mais de cinco décadas atrás, assistimos a vários surtos de greve pela greve. Em todos esses casos, quem mais perdeu foram os próprios trabalhadores, no final das contas, e um dos piores danos sofridos foi justamente o desgaste da greve como peça-chave do arsenal trabalhista. Nesse mesmo período assistimos, também, a vários episódios em que a capacidade de negociar e a objetividade prevaleceram e as reivindicações dos trabalhadores foram atendidas sem necessidade de ir ao recurso extremo da paralisação.
Quando a ação paredista ocorre na iniciativa privada, o empresário refaz seus cálculos, reexamina seus custos, reavalia suas perspectivas de ganho. Posto em xeque, o empresário tenta modificar sua proposta de maneira que sensibilize os empregados sem com isso estar provocando a morte de sua empresa. Na mesma linha agem as lideranças sindicais mais conscientes, pois sabem que a intransigência cega pode custar os empregos de todos, no caso de fechamento da fábrica.
Durante a paralisação e nos desfechos mais drásticos, os sacrifícios e prejuízos recaem sobre os empresários e seus empregados, em se tratando de greve na iniciativa privada. O consumidor, nesses casos, lamenta a escassez ou a falta definitiva do produto, mas sempre contará com a alternativa de procurar ou esperar por um substituto.
Quando, entretanto, a ação paredista ocorre no serviço público, quem primeiro sofre as perdas e danos é o usuário. Porque fica sem escola para os filhos, porque os hospitais não atendem, porque o transporte pára –ou, no caso da greve na Polícia Federal, porque perde a segurança dada pelos agentes federais (além de não tirar o passaporte).
Será ainda o usuário, na condição de contribuinte, quem vai acabar pagando a conta, pois sairão dos impostos e taxas os aumentos salariais e vantagens que se conceda aos servidores grevistas.
Se o funcionário público grevista não corre o risco de perder o emprego (afinal, a "empresa" dele nunca deixará de existir) e se é toda a população quem vai pagar a conta, faz sentido a greve no serviço público? Evidentemente não.
Por uma série de razões, que podem ser resumidas em duas: do lado assalariado, o grevista em foco é ele próprio um dos usuários afetados, na medida em que também seus filhos ficam sem aula, sua saúde corre perigo, sua família perde proteção; do lado patronal esta é uma pendência que simplesmente não existe, na medida em que o empregador em foco (o governo em qualquer de suas esferas) não passa de uma convenção social, uma entidade criada para representar a comunidade.

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