São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sobre a medida provisória nº 482

OCTÁVIO BUENO MAGANO
A medida provisória nº 482, recém-editada (vide DOU de 29/4/1994), sofre do mesmo vício das anteriores (434 e 457), no que toca à previsão do pagamento a empregado dispensado sem justa causa, de indenização equivalente a 50% de sua remuneração.
A inconstitucionalidade de tal regra, já por nós anteriormente apontada (Folha de 2/3/94) se demonstra não só em face da hermenêutica senão também através das significações do vocábulo indenização.
Hermenêutica vem de Hermes, filho de Zeus e da ninfa Maia, mensageiro e intérprete da vontade divina. Modernamente, a exigência é a de se atinar com a vontade do legislador. Colocado Hermes em face do artigo 7º, I, da Constituição de 1988, certamente não vacilaria em afirmar que a vontade dos constituintes responsáveis pela redação do texto citado foi a de marginalizar o instituto da indenização, só o admitindo se criado por lei complementar.
E se foi a vontade inequívoca do todo poderoso constituinte de 1988, como ousar pode o legislador ordinário do ano eleitoral de 1994, escarnecer da mesma vontade, estabelecendo regra com ela totalmente incompatível? Se a Constituição diz textualmente que a relação de emprego se protege com indenização compensatória, nos termos de lei complementar, como querer instituí-la de outra maneira?
A afronta ao preceito constitucional é ostensiva. Segue-se que a medida provisória nº 482, nesse particular, não pode prevalecer.
E se essa é a conclusão inexorável derivada da análise do termo hermenêutica, o que se haverá de colher, em face do exame do vocábulo indenização?
Segundo o ilustre jurista, Julpiano Chavez Cortez, a indenização referida nas medidas provisórias, "sub censura", não é a de tempo de serviço, que certamente dependeria de lei complementar, na forma do art. 7º, I, da Lei Magna. Tratar-se-ia, ao contrário, "de fórmula encontrada para reduzir o número de dispensas, a pretexto da criação da URV." (A Indexação dos Salários à URV, "in" Supl. Trab. LTr nº 068/94).
Em outras palavras, o que quer dizer o jurista citado é que, na contextura das medidas provisórias em análise, o termo indenização deve ser tomado, à luz de sua semântica de origem latina, no sentido de "salvação" e não no de "segurança". Mas se é assim por que haveria o empregador de se incumbir da "salvação" do emprego despedido, se a proteção do trabalhador, em situação de desemprego, constitui encargo do Estado, segundo se depreende da leitura do artigo 201, IV, da Constituição?
Especificando o mandamento constitucional, prevê expressamente a lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, seguro desemprego, com a finalidade específica de: "I – prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa; II – auxiliar os trabalhadores requerentes ao seguro-desemprego na busca de novo emprego, podendo para esse efeito, promover a sua reciclagem profissional."
Tem-se, destarte, que, mesmo empregando-se a palavra indenização no sentido exclusivo de "salvação, continuariam as medidas provisórias em foco a padecer do vício de inconstitucionalidade.
Espírito mais afoito poderia asseverar que, considerado o termo indenização apenas no seu sentido corrente de garantia ou segurança de tempo de serviço, ainda assim, nenhuma proibição existiria para se criarem, através de legislação ordinária, tantos tipos de indenização quantos necessários. A Lei Magna vedaria tão somente o estabelecimento de indenização extensível à generalidade dos trabalhadores.
Esse raciocínio não se compadece, porém, com a lógica, que classifica as proposições em três categorias: universais; particulares e singulares.
Do primeiro tipo é, por exemplo, a proposição de serem racionais todos os homens, em que todos os sujeitos são alcançados pelo predicado. Do segundo tipo é, ainda exemplificativamente, a proposição de que alguns políticos são desonestos, em que apenas alguns sujeitos são alcançados pelo predicado. Do terceiro tipo é, "verbi gratia", a proposição de que um político desairoso foi inocentado, o que se adequa tão somente a um sujeito determinado.
Ora, na Constituição não se diz que algumas indenizações compensatórias devem ser estabelecidas através de lei complementar e sim que a indenização compensatória, de modo geral, será criada mediante lei complementar. Logo, qualquer indenização compensatória só se pode instituir mediante lei complementar.
Conclui-se que, pela análise quer da palavra hermenêutica quer do vocábulo indenização, a regra do artigo 29 da medida provisória nº 482, de 28 de abril de 1994, se mostra incompatível com a Constituição, não podendo, pois, prevalecer.

OCTAVIO BUENO MAGANO, 63, advogado, é professor titular de direito do trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Texto Anterior: Greve no serviço público
Próximo Texto: Bens de herança devem ser declarados
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.