São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 1994
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José Saramago lança seu diário no exílio

JAIR RATTNER
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LISBOA

O escritor português José Saramago começou a publicar o seu diário. Saiu, em Lisboa, o primeiro volume dos "Cadernos de Lanzarote", o livro que escreve desde que se mudou para esta ilha, no arquipélago espanhol das Canárias.
O lançamento do livro foi resultado de um acaso. Em uma viagem do editor português de Saramago, Zeferino Vaz, a Lanzarote, o escritor mostrou o diário que passou a escrever desde que se mudou para a ilha.
Não era para publicação imediata, mas o editor insistiu e sai agora o primeiro volume, que reúne o que Saramago escreveu de abril até o fim de 1993.
No diário, comenta sua vida, fala bem e mal de pessoas –inclusive escritores–, apresenta pensamentos filosóficos, trechos de livros que o impressionaram. O diário deverá ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras em 95.
No livro, estão também idéias sobre o processo de criação dos seus dois próximos trabalhos, o romance "Ensaio sobre a Cegueira" (que deve sair em outubro) e "O Livro das Tentações". Da ilha de Lanzarote, Saramago respondeu à Folha.

Folha – Por que resolveu escrever um diário?
José Saramago – As razões têm muito a ver com o afastamento e a distância. Também o fato de ter retomado em Lanzarote uma relação mais pacífica com o tempo, mais natural, menos premente, como se tivesse voltado à infância ou à primeira adolescência.
Apeteceu-me, pelo registro dos dias, torná-los mais lentos, mais cheios, mais vividos.
Folha – Como surgiu a idéia de escrever um diário?
Saramago – Provavelmente a leitura dos "Cadernos de La Romana", de Gonzalo Torrente Ballester, terá influenciado na decisão, além do complexo de sentimentos a que já fiz referência.
Folha – Porque o senhor foi para Lanzarote?
Saramago – Não estaria em Lanzarote se o governo português não tivesse censurado meu livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". Uma pessoa pode mudar de casa por ter maus vizinhos: foi o que aconteceu comigo.
Folha – O que há em Lanzarote que Portugal não lhe dava?
Saramago – Portugal dava-me tudo o que eu podia receber dele. Lanzarote aparece na parte final da minha vida, dá-me tranquilidade. Mar e montanhas, ausência de poluição. Paz para trabalhar em paz.
Folha – Como é a sua vida, seu cotidiano, em Lanzarote?
Saramago – A de sempre. A manhã é para correspondência, a tarde para a escrita, a noite para a leitura. O dia todo para a família. E, sempre que posso, passeio por estes montes e vales.
Folha – Nos "Cadernos de Lanzarote", o senhor revela dificuldades que enfrenta ao escrever os novos livros, especialmente o primeiro capítulo. De onde vêm essas dificuldades?
Saramago – Trata-se de apanhar o ritmo, de definir o compasso, de estabelecer o andamento. Um atleta tem que aquecer os músculos antes de desenvolver o máximo esforço. Nisto, o escritor não se distingue do atleta.
Folha – Porque este livro não teve um lançamento comercial como os outros?
Saramago – Nessa matéria quem decide é o editor. Aliás, eu próprio queria que este livro aparecesse discretamente.

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