São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 1994
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A Batalha de Agincourt

ROBERTO REQUIÃO

Que os coveiros suspendam o seu trabalho; que as carpideiras de aluguel contenham as lágrimas e a dramatização dos gestos; que sejam silenciadas a matraca e a litania; que os presbíteros de ocasião interrompam o réquiem; que o coro dos abutres engula a partitura. O PMDB não morreu.
Que se trombeteie o anúncio da boa nova; que se cantem a coragem e a dignidade; que, mais uma vez, se resgatem e se empunhem as velhas e tão estimadas bandeiras; que se afiem as armas para o levante; que se avive no coração a antiga chama; que se exilem dores, medos e desesperanças. O PMDB está renascendo.
Em menos de um ano, é a segunda vez que se oferece ao nosso partido a oportunidade da depuração, da restauração da dignidade e do renascimento. Se, na primeira ocasião, prevaleceram mais os acordos que a exigência histórica de rupturas, agora é a vez da limpeza definitiva, radical e impiedosa.
Renascer; outra vez dar-se à luz. A coragem de refazer o caminho, de destruir as dificuldades e de voltar às origens. Os prevaricadores não são o partido. Os anões e os ladrões não são a nossa história. Não nascemos e nem nos fizemos da covardia, do liquidacionismo, do medo, da fragilidade e do desânimo.
Ao lixo com a escória. À degradação, ao opróbio e à execração pública os canalhas.
A hora deles tardou, mas chegou. Vamos sepultá-los com todas as desonras de que se fizerem merecedores.
No entanto, não é hora para os tíbios. Os mornos. Os mais ou menos. É hora da rebelião. É a hora, mais que hora, do levante emedebista. Do grito de guerra dos homens e mulheres dignos que sempre formaram a maioria do partido.
Não me envergonho do meu MDB, que o P pode ser dispensado, junto com os prevaricadores.
Não é hora de se esconder, de procurar abrigo sob asas ou poleiros vizinhos. Não é hora de conchavos, de costuras ou alianças pouco claras. Não é hora de mostrar fraqueza, abatimento.
Em nossa própria história estão os exemplos de coragem, resistência, de firmeza e dignidade. Não é a primeira dificuldade que enfrentamos. E nem a última. Em todas as situações anteriores demos ao país melhores exemplos de caráter, de valentia e de ousadia.
Ceder, conspirar pela liquidação do partido, buscar refúgio na casa supostamente desinfetada do vizinho é trair, é fugir de nosso compromisso histórico e sagrado de mudar esse país.
Vamos ao combate, ao bom combate. À luta que merece ser travada. Vamos à franca, ousada e generosa rebelião para recompor o partido, para fazê-lo, ainda mais uma vez, renascer. Entre as asas e poleiros, hipoteticamente protetores, e a dureza da guerra, a escolha é abrir o peito e, sem medo, ir à batalha.
Na trama contra o nosso partido, a que os tíbios já se incorporaram, é possível identificar os interesses de sempre das elites. Os eternos, indefectíveis arautos dos "acordos nacionais", das "tríplices alianças", das "terceiras vias". Mais uma vez ei-los açodados, antecipando-se aos fatos, sufocando oportunidades de mudanças, conspirando para a manutenção de seus já secularmente insustentáveis privilégios.
É hora de rompimento. Não apenas com a escória aderida ao partido. É hora de romper também com a velha prática dos acordos por cima, da perpetuação de acertos, alianças e compromissos que apenas favorecem os dominadores de sempre. Romper duas vezes: com a canalha e com as elites.
Nossa referência não está nos bem refrigerados escritórios do capital financeiro, dos cartéis e cartórios, dos privilégios alfandegários ou fazendários, nos maneirismos acadêmicos, nos escaninhos da Justiça ou no olimpo brasiliense.
Nossa referência escalda-se nas ruas. No inferno da miséria, da marginalidade, na fila do desemprego, na indignidade do salário, na impossibilidade do consumo, na depauperação da classe média, na doença e no analfabetismo.
Nossa referência está no povo. São suas esperanças, dores, sonhos e anseios que devem dizer que rumo seguir, que parceiros escolher, que guerras travar. No povo, a nossa referência, a nossa inspiração, a nossa força e razão de ser do partido.
Quando os vendilhões assaltaram o templo, corrompendo-o com negociatas, falcatruas e prevaricações, o Cristo não destruiu o templo. De chicote, sublime e divinamente irado, expulsou a canalha e restabeleceu a dignidade do templo.
Destruir o PMDB, liquidá-lo, reagir com tibieza e covardia às dificuldades de hoje equivale à imbecilidade patética de matar o enfermo para eliminar a doença.
Que se refaça a pergunta feita a Henrique 5º ("Onde estão os ingleses?") e se pergunte onde estão os peemedebistas. E que a resposta também seja: os peemedebistas estão aqui. Aqui estão os que deveriam estar. E os que não estiverem aqui hoje lamentarão profundamente não terem estado. Esta é a nossa batalha.

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