São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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Diálogo sobre as eleições e a imprensa

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A psicologia do tempo é uma coisa intrigante. Duas horas numa sala de espera parecem uma eternidade. Mais dois anos, em retrospecto, não são mais do que um piscar de olhos. As férias parecem longas na véspera, irrisórias no dia da volta. O tempo sentido nunca é o tempo medido.
O aeroporto de Curitiba amanheceu fechado naquela quinta-feira. Na sala de embarque, os passageiros ouviram o aviso resignados e se prepararam para uma longa espera. Aflitos ou tranquilos, o remédio era um só –esperar. Quando não era a operação padrão da PF, era o mau tempo. Quanto podia durar aquilo?
Félix Nomuro, um jovem diplomata brasileiro que retornava das férias para o seu posto em Cingapura, respirou fundo e puxou a "Gazeta Mercantil" da pasta. Mal havia começado a leitura, no entanto, ele avistou um rosto familiar do outro lado da sala. O reconhecimento veio como um flash. Sim, era mesmo Estela Rubra sentada ali. Estava salva a manhã.
Fazia dois anos que não se viam. A última vez foi na festa de despedida dela –Estela partia para um curso de pós em economia na Universidade de Illinois. Logo depois, foi a vez de Félix ir morar fora do Brasil. Em lados opostos do globo, eles acabaram perdendo todo o contato.
Aquela era a chance de retomar a velha amizade. A espera forçada não seria a eternidade. Dois anos pareciam, de repente, um piscar de olhos. foram duas horas de muita conversa e alguma controvérsia. A seguir, os melhores momentos do diálogo travado neste reencontro fortuito de amigos.
Félix: "Que coincidência a gente se encontrar logo aqui! Pensei que você ainda estava morando nos EUA. Já terminou o doutorado?"
Estela: "Não, vim ao Brasil só para levantar o material empírico da tese. Terminei a pior parte, que é fazer os cursos, e agora estou começando o trabalho de tese. O que eu não imaginava é que ia ser tão difícil obter acesso aos dados e informações de que preciso. Estou há mais de um mês tentando vencer a burocracia e a confusão das contas públicas brasileiras. Chego a achar que terei que mudar de tema. Meu orientador vai ficar uma fera... Estou indo agora no Banco Central, em Brasília, fazer nova tentativa. E você, o que anda fazendo?"
Félix: "Não sei se você sabia, mas estou há dois anos vivendo em Cingapura, trabalhando feito louco no departamento comercial da embaixada. A vida lá não é fácil, mas tenho aprendido muito. Vim passar as férias com meus pais, aqui em Curitiba, e agora estou voltando para reassumir o posto. Lembrei de você outro dia, lendo sobre os dez anos das "diretas já". É pena que tenhamos perdido contato, não é? Do que trata sua tese?"
Estela: "É um tema meio árido. Estou tentando fazer um estudo sobre o desequilíbrio fiscal do Estado brasileiro, olhando principalmente para o impacto da mudança nas relações entre União, Estados e municípios desde o fim da ditadura. O que eu gostaria de explorar em detalhe na tese é a questão do acesso ao redesconto de liquidez pelo qual o Banco Central socorre os bancos estatais em dificuldade. Acho que qualquer esforço sério de estabilização no Brasil terá que atacar de frente este problema. A desgraça é conseguir dados desagregados sobre estas operações..."
Félix: "Puxa Estela, quem diria, eu não sou especialista em finanças, mas você que era tão radical quando nos conhecemos, sempre muito mais que eu, parece que agora você está defendendo a mais pura ortodoxia econômica. O que houve –você também é neoliberal agora? Não é mais petista?"
Estela: "Olha, vou lhe dizer uma coisa Félix, essa minha temporada nos EUA, estudando economia mais a fundo, dando tudo para conseguir passar nos exames do doutorado e vendo de perto como é o capitalismo moderno, com seus méritos e defeitos, acabou me fazendo repensar muita coisa. Continuo petista, eu acho, só que mais por falta de opção do que por escolha. O que me choca é o nível da campanha. O país nessa crise, faltando só quatro meses para a eleição e tudo que os partidos têm a cara de pau de apresentar ao eleitorado são aspirações vagas, slogans e promessas mal explicadas..."
Félix: "Pois é... No início do mês, não sei se você viu, a Folha publicou um caderno especial sobre os programas dos candidatos a presidente. Só que você ia ler as propostas e logo descobria que, na verdade, era um caderno sobre a absoluta falta de programa de todos os candidatos –você espreme aquilo e não pinga uma idéia!"
Estela: "Vi sim e vou mais longe. Parece que as revistas, os jornais e a mídia brasileira em geral estão com uma vocação irresistível de se tornarem cada vez mais parecidos com vastas colunas sociais. O importante é saber quem está aparecendo –os nomes em evidência, quem está confabulando com quem e quais as fofocas mais picantes do dia. O que anda acontecendo no mundo e o que pensam as pessoas, isso ninguém parece muito interessado em saber."
Félix: "Com tudo isso eu concordo. Só não entendo como alguém tão preocupada com o desequilíbrio fiscal e com as promessas mal explicadas dos candidatos ainda pode querer votar no Lula..."
Estela: "Tudo bem. Mas se não for Lula, quem?"
Félix: "O páreo é duro, ok. Mas sabe o que eu acho do Lula, Estela? Se ele for eleito, ele vai demorar uns dois anos para se dar conta do que precisa ser feito. Depois de dois anos de mandato, eu aposto que ele estará mais liberal que o Menem ou o Salinas. O PT é uma virgem. Quando as fantasias da virgindade se dissiparem, a verdade vai se impor. O único problema é que aí já será tarde demais. A essa altura, ele não terá mais poder e capital político para implementar qualquer plano de governo. Se me dessem um Lula hoje com dois anos de experiência como presidente, acho que ele seria um excelente candidato."
Estela: "Talvez haja um fundo de verdade no que você diz. As prefeituras do PT foram todas mais ou menos isso. No início a fantasia, depois a realidade. Só acho que a curva de aprendizagem do Lula na Presidência será mais rápida. Alguma confusão na saída é inevitável. Mas ele logo saberá tomar as rédeas da situação..."
Félix: "Última chamada do meu vôo... Foi uma grande alegria revê-la, Estela. Que tal nos encontrarmos daqui a dois anos para ver quem tinha razão –se o Lula chegar lá, é claro... Afinal, o que são dois anos em retrospecto?"

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