São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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Bancos públicos, política e créditos "podres"

ANTONIO KANDIR

Com a chegada do real, em 1º de julho, a inflação irá cair abruptamente. Quanto a isso, não há dúvida. A questão está em saber se a queda será apenas momentânea ou se abrirá o caminho da estabilização em bases permanentes.
Para que se confirme a segunda hipótese, é fundamental que a nova moeda conquiste de imediato a máxima credibilidade possível enquanto referência estável de valor.
Impõe-se para tanto a necessidade de controlar os variados focos de descontrole monetário que se foram formando ao longo do processo de fragilização financeira do Estado, de modo a criar condições para uma gestão independente da nova moeda.
Dentre esses focos estão os bancos oficiais, que deverão ter condições de fazer face ao aumento da demanda por moeda sonante e à perda de receita financeira decorrentes da queda da inflação.
Se estarão ou não em condições é uma das incógnitas-chave desse momento decisivo do processo de estabilização. Não por acaso, o Ministério da Fazenda constituiu comissão destinada especificamente a cuidar do assunto.
O aumento da demanda por moeda é uma decorrência inevitável da queda da inflação. Na medida que a moeda deixa de desvalorizar-se em ritmo alucinante, aumenta a disposição das pessoas e empresas de deixar seus recursos na conta corrente ou de carregá-los na carteira. Diminui, na mesma medida, a quantidade de moeda aplicada em ativos financeiros oferecidos pelos bancos.
Para responder a essa mudança na composição de seus portafólios, os bancos têm de mobilizar ativos que tenham liquidez compatível com o aumento da demanda por moeda da parte de pessoas e empresas. Senão, podem quebrar.
Chega, então, a hora da verdade para os bancos oficiais, já que se explicitam os custos da má gestão financeira. Esse é um problema que se coloca também para os bancos privados, mas no caso das instituições oficiais de crédito ele tem causas e implicações distintas.
A questão dos bancos oficiais não é de má gestão por razões de incompetência técnica. É do uso político que se tem feito dessas instituições. Nesse sentido, a resolução definitiva do problema passa por um processo de reorganização política que ponha fim à privatização de recursos públicos.
Com o retorno à democracia, já a partir de 1982, quando restabeleceram-se as eleições diretas para o governo dos Estados, os bancos oficiais tornaram-se instrumento para patrocinar campanhas eleitorais, conquistar maioria no Congresso Nacional e favorecer interesses de grupos empresariais associados a forças políticas.
Nesse processo, as decisões de crédito dessas instituições, seja na forma de empréstimos ou do adiantamento de receita para governos estaduais, não obedeceram à análise de risco necessária à manutenção de sólida posição financeira, mas sim a pressões e conveniências de ordem política.
No momento em que a inflação cai, os bancos oficiais são postos em xeque. Isso porque parte importante de seus ativos é, por assim dizer, "podre". "Podre" na medida que é constituída por empréstimos de recebimento duvidoso, porque no Brasil institui-se a curiosa regra de não cobrar e executar dívidas contraídas por governos estaduais, parlamentares e grupos privados associados a forças políticas importantes.
A consolidação da estabilização é incompatível com a preservação dessa regra. É preciso, pois, cortar o nó górdio que ata os bancos oficiais ao sistema político para que, recuperando o crédito, possam desempenhar o papel que lhes cabe, o de instrumentos do desenvolvimento econômico.
Trata-se de um processo que não se encerra da noite para o dia e não pode ser conduzido com espalhafato, sob pena de provocar uma fuga ruinosa de correntistas. Um processo decisivo para a consolidação da estabilidade e a retomada do desenvolvimento e que pede coragem e firmeza à altura das exigências do momento.

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