São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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Kissinger defende a 'realpolitik'

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O mais recente livro de Henry Kissinger, "Diplomacy" (Simon & Schuster, US$ 35) é um calhamaço de 912 páginas, 35 só de notas bibliográficas.
Os detratores o chamam de "a história de Kissinger corroborada pela história". O autor a considera a história da diplomacia a partir da emergência do Estado-nação.
Quase tão alentado quanto o próprio livro é o debate que se tem seguido a ele nas melhores publicações culturais dos EUA.
Mesmo os críticos que despertaram mais irritação no autor com suas resenhas, como o historiador Ernest May, da Universidade Harvard, consideram "Diplomacy" um trabalho do nível de "Discursos", de Maquiavel.
Kissinger, 66, continua sendo referência indispensável para quem se aventura a tentar entender as relações internacionais.
É evidente em qualquer de seus 11 livros, que ele se considera –com razão– um dos maiores gênios de todos os tempos nesse gênero e que não se envergonha em buscar no passado exemplos que comprovem seus acertos.
As admirações de Kissinger são ostensivas: Richelieu, Bismark e Churchill são os seus heróis. Em "Diplomacy", eles aparecem como os grandes vencedores das batalhas diplomáticas da história moderna.
Não por acaso, os três defenderam a supremacia das "razões de Estado" sobre todas as outras e praticaram uma diplomacia de "realpolitk", em que o essencial é o processo, não os objetivos.
Alemão de nascimento e cidadão norte-americano desde 1943, Kissinger nunca perdeu o sotaque carregado nem o tom de desprezo pelo país adotivo.
Na visão de Kissinger, os norte-americanos (pelo menos seus líderes) são ingênuos, acreditam na bondade humana, na possibilidade de harmonia no mundo e têm fé no "concerto dos poderes" e na força da moral.
O desdém com que, por isso, trata o presidente Woodrow Wilson e mesmo Franklin Roosevelt é inequívoco. A "realpolitik" é, a seu ver, inviável para os EUA, a não ser que ele mesmo volte a liderar a política externa do país.
Em "Diplomacy", só dois presidentes norte-americanos merecem admiração: Theodore Roosevelt, cuja retórica diplomática era a do "big stick", e Richard Nixon, que deu a Kissinger a chance de testar na prática as suas teorias, ao chamá-lo em 1969 de Harvard para a Casa Branca.
Mas Nixon só recebe elogios pelo período de exercício do poder, porque, embora sem citá-lo, Kissinger demonstra discordar de suas mais recentes idéias sobre política externa.
Nixon defendeu até o fim da vida a necessidade de os EUA apoiarem sem condições as reformas econômicas e políticas na Rússia e tomou a iniciativa, dolorosa para um homem orgulhoso como ele, de procurar o presidente Bill Clinton para lhe pedir que não abandonasse Boris Ieltsin.
Kissinger, no capítulo final do seu livro, critica Clinton pelo seu apoio a Ieltsin. Acha que a transformação russa para a economia de mercado é quase impossível, que os comunistas ainda são poderosos no país e que o retorno dos conflitos com os EUA é possível. Por isso, aconselha prudência.

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