São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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O mínimo para se chegar ao máximo

HERBERT DE SOUZA

Quando o golpe foi dado por terminado, a sociedade brasileira começou o seu novo caminho, aquele onde o poder se regula por um acerto nacional e não aquele onde o arbítrio se impõe através de um erro militar. A democracia é o império da lei, mas da lei que todos fazem ou que é feita com a participação de toda a sociedade.
Não se trata tanto de uma questão lógica, onde uns poucos decidem o que deveria ser bom para todos, mas de processo democrático onde a maioria acerta ou erra através da participação de todos. Em se tratando da Lei Maior da democracia, é óbvio que o ideal é a participação maior de toda a sociedade em sua elaboração.
Quando começou o debate constitucional, algumas vozes se levantaram para defender a Assembléia Nacional Constituinte exclusiva. Deputados e senadores seriam eleitos somente para elaborarem a nova Constituição. Uma vez terminada a tarefa, os constituintes voltariam à sua condição de cidadãos e o Brasil teria uma Lei Maior a melhor possível, a mais completa possível e para um longo período de sua história.
Tínhamos inveja daqueles países onde a Lei Maior não muda em função dos interesses menores de cada instante, de cada conjuntura. Mas essa tese perdeu.
Ganhou o Congresso Constituinte que fez uma Constituição cheia de buracos a serem preenchidos por contraditórios interesses. Em princípio tudo bem. No concreto, muita coisa a decidir e em função sempre do curto prazo.
Veio então a revisão definida na própria Constituição. Outros eram os tempos e os interesses e a carta se chocou contra a parede, caiu e morreu de fratura política. Ficou provada, tardiamente, que só uma atividade exclusiva dedicada à Constituição a retira, em termos, do cotidiano que a joga nos braços da conjuntura e de suas agruras.
O relator Nelson Jobim fez ginásticas incríveis, mas não conseguiu dar o pulo triplo do trapézio nacional. Caiu na rede das contradições. O Brasil se viu de novo polarizado mas não resolvido.
Se o caminho é a lei, a Constituição, o modo de caminhar não é esse, mas o próprio, o da Constituição exclusiva e, se não temos essa possibilidade, que seria a melhor, que pelo menos tenhamos a revisão exclusiva, feita por gente que será eleita só para isso e que só faça isso e que todos saibam disso.
Essa Constituição pode ser melhorada e muito. Todas podem. Mas só pode melhorar uma Constituição quem tiver tempo, legitimidade e dedicação para isso, quem seja escolhido para ser constituinte e não simplesmente ou principalmente deputado, o que exerce no cotidiano o ato de legislar e de co-governar o Brasil.
Devemos separar as coisas para vê-las juntas melhor. O país precisa de uma Constituição que nos ajude a percorrer os caminhos da democracia e a nos fazer democráticos.
Se não tivemos a Constituição exclusiva, que tenhamos pelo menos a revisão exclusiva. É o mínimo, mas poderá ser o caminho para chegarmos ao máximo.

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