São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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Os riscos da ilusão

FLÁVIO FAVA DE MORAES

O Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas anunciou, às entidades representativas de servidores docentes e não docentes, no dia 9 de maio, os índices de reajuste salarial válidos a partir deste mês. Os salários a serem pagos no quarto dia útil de junho serão reajustados em 55,87%, em vez de 46,22%, o que representa um aumento real de 8% acima da variação da URV.
Esse reajuste incorpora a inflação plena do mês de abril, medida pela Fipe, base de cálculo da política salarial vigente nas universidades estaduais paulistas; mais 6,22% a título de reposição dos níveis salariais da data-base anterior, isto é, maio de 1993; e mais 1,68% como passo inicial na recuperação de perdas passadas. A esse ganho salarial significativo somam-se os 2% acima da estimativa da URV, concedidos nos salários pagos em maio, e que não foram descontados.
Esse conjunto de medidas evidencia dois aspectos. Em primeiro lugar, a perda salarial nos últimos 12 meses, equivalente a 6,22%, é inquestionavelmente pequena, considerados o elevado nível de inflação no período e as imprevisíveis flutuações sazonais da arrecadação do ICMS.
Mesmo tomando-se janeiro de 1989, data proposta pelas entidades como referência para perdas salariais passadas, a diferença real com relação aos salários a serem pagos em junho é de pequena magnitude: 11,30%.
Isto confirma a correção da política salarial das universidades estaduais paulistas, a qual vem mantendo o salário real dos servidores docentes e não docentes, em meio a enormes dificuldades do ponto de vista financeiro.
Em segundo lugar trata-se do maior salário, em termos reais, desde novembro de 1990. Além disso, o aumento, em termos reais, é de 9,06% comparado aos salários referentes a novembro de 1993. Isto é, os salários já recuperaram, em cinco meses, o valor real comparável que foi perdido em mais de cinco anos, desde janeiro de 1989 até hoje.
A análise do comprometimento orçamentário com a folha de pagamento das três universidades (medida em URV) mostra a extrema vulnerabilidade financeira dessas instituições às flutuações da arrecadação, provocando pressões cíclicas em direção ao comprometimento total com a folha, como ocorreu em março de 1994, quando atingiu 100,74% do repasse mensal do Estado na média das três universidades.
O reajuste anunciado para os salários a serem pagos em junho novamente coloca o grau de comprometimento com a folha no limite do tolerável (90,16% em URV na média das três universidades).
Uma vez que os salários são pagos em URV eles crescem automaticamente com a inflação, enquanto que as flutuações da arrecadação do ICMS não garantem a manutenção do valor real dos recursos liberados pelo Estado. Nessas condições, o comprometimento médio das folhas das três universidades acima de 90% constitui, por si só, um risco cujo limite não pode ser responsavelmente ultrapassado.
A reivindicação básica das entidades é de ganho real de 37% acima da URV, o que levaria a uma folha de pagamento igual a 101,96% da arrecadação orçamentária média das universidades. Para a USP, o valor seria de 101,35%, para a Unicamp 98,10%, chegando a 106,89% na Unesp.
É difícil conceber como universitários, bem informados dessa situação, poderiam solidarizar-se com tal grau de irresponsabilidade para com a instituição. Somente uma habilidosa apresentação de dados parciais e fatos apreendidos equivocadamente poderiam fazer crer na exequibilidade de tais reivindicações.
Na reunião de negociação do dia 9 de maio, a proposta de reajuste de 55,87% não foi sequer discutida pelas entidades sindicais. Entretanto, no dia seguinte, as entidades romperam unilateralmente os entendimentos, decretando greve apesar de ter sido acordado que as negociações continuariam no dia 16.
O irrealismo das reivindicações, somado à radicalização imotivada, sugerem que o atual grevismo não tem apenas motivações salariais, mas também políticas.
Ora, a greve é um direito que não deve ser exercido de maneira irresponsável. Não é justo que os custos da greve sejam pagos sobretudo pelos que desejam trabalhar e estudar. Os primeiros prejudicados com as greves de docentes e funcionários são os alunos e servidores de renda mais baixa.
Muitos servidores, como é sabido, aderem mais facilmente a esses movimentos, sobretudo na área operacional, porque são mais vulneráveis às pressões dos dirigentes, que os iludem, entre outras coisas, com promessas de que nada têm a perder, pois terão salários e vantagens respeitados, quer trabalhem ou não.
É importante lembrar os que dependem de forma vital da atividade universitária, os alunos, cujas perdas não podem ser repostas. Além do prejuízo no ensino, os danos à pesquisa são profundos e nem sempre recuperáveis.
A USP é financiada com recursos pagos por toda a população, indistintamente. Ela tem conseguido manter, apesar de todas as dificuldades, uma condição diferenciada para seus estudantes, servidores e professores. Paralisar a universidade nestas condições não tem justificativa plausível para a sociedade.
A população pode estar certa de que as autoridades universitárias estão empenhadas na manutenção das atividades acadêmicas, mesmo porque o bom senso acabará se impondo.

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