São Paulo, sábado, 21 de maio de 1994
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A fase de implantação da URV vem prejudicando os hospitais

PAULO YOKOTA

A fase intermediária da URV até a introdução do real foi imaginada, pelos autores do plano econômico, como um período indispensável para os ajustamentos de setores com grandes defasagens de preços, como é o caso da saúde. Na prática, porém, os hospitais estão sendo os mais prejudicados e de maneira muito profunda.
A maioria dos custos dos hospitais já foi transformada em URV. Todos aqueles relacionados com a folha de pagamentos representam cerca de 50% dos custos hospitalares. E os salários, ainda que tenham sido transformados em URV pela média dos valores efetivamente recebidos nos últimos quatro meses, passaram a ser reajustados mensalmente.
O aumento real mais brutal ocorreu com os medicamentos que, junto com os materiais hospitalares, representam outros 30% dos custos. Os hospitais contavam com cerca de 30 dias para efetuar o seu pagamento a fornecedores, mas os preços não foram deflacionados na conversão.
A indústria farmacêutica conseguiu transformar seus preços em URV pela média dos últimos quatro meses de 1993, comprimiu as margens de comercialização das farmácias e aumentou os preços reais para os hospitais. Na conversão não levou em conta o prazo de pagamento que era concedido aos hospitais. Desta forma, com a concordância do governo, os laboratórios puderam restabelecer as suas margens de lucro.
Por outro lado, os hospitais faturam hoje para os chamados convênios. Estes representam um oligopsônio, pois o seu movimento está concentrado nas mãos de cinco organizações –Unimed, Golden Cross, Amil, Bradesco e Sul América– que detém 70% da demanda dos hospitais. Elas estão postergando as conversões dos reembolsos aos hospitais para a URV, aguardando as normas para a conversão para o real, na expectativa de que elas lhes serão favoráveis.
A pendência está inviabilizando financeiramente os hospitais. A oferta de serviços hospitalares está fragmentada entre milhares de instituições. Os de maior prestígio já haviam conseguido impor preços mais elevados e prazos de pagamento menores, mas mesmo assim não contavam com correções monetárias em suas cobranças.
Na verdade, os hospitais nunca conseguiram embutir em suas tabelas a totalidade de seus custos financeiros, levando em conta os prazos de reembolso. A prova mais cabal desta triste realidade é que, mesmo com as recentes elevações da taxa inflacionária e dos juros, os seus preços não foram reajustados em termos reais.
No caso dos hospitais mais modestos, com tabelas de preços mais baixas, os reembolsos sofriam uma defasagem de cerca de 60 dias, pois seus preços permaneciam fixos por um mês, enquanto os faturamentos eram mensais, com prazo de pagamento de cerca de 30 dias a contar da apresentação das faturas, tudo sem correção monetária.
Estes hospitais mais modestos, ao trabalharem também com o sistema SUS, por tabelas irrealistas de preços, estavam sujeitos a reembolsos governamentais que demoravam cerca de 90 dias, sem correção monetária. Tudo isso tem sido uma das principais causas de algumas irregularidades e das tristes cenas em hospitais, relatadas pelos meios de comunicação.
O que os hospitais esperavam era, no mínimo, e com justa razão, que lhes fosse dado o mesmo tratamento propiciado aos laboratórios. Mas estão sendo relegados para as chamadas negociações do mercado.
Esta é uma postura incorreta das autoridades. As verbas governamentais não são corrigidas pela URV e os hospitais estão sendo estrangulados por oligopólios e oligopsônios. E a saúde foi sempre considerada um "bem público", em que os mecanismos de mercado possuem baixíssima eficiência.
As tentativas ainda persistentes de transformar em URV as atuais tabelas pela média dos últimos meses, deflacionando-as pelo prazo vigente de reembolso, é um verdadeiro assassinato dos hospitais. Afinal, deflacionar o que não estava embutido, e pelo prazo imposto aos hospitais mais modestos, é o mesmo que condená-los ao fechamento. E é entre eles que varia a disponibilidade de leitos hospitalares para a população mais carente.
Cumpre notar, ainda, que somente 30% do faturamento dos hospitais decorrem de suas diárias e taxas. Uma elevada parcela é representada pelos repasses que eles executam, pela utilização de medicamentos e materiais hospitalares. O repasse dos honorários médicos representa a parte restante.
No entanto, alguns convênios não estão aceitando os aumentos dos custos de medicamentos e materiais, nem mesmo dos honorários médicos, que já foram deflacionados em cerca de 28% pela AMB.
Se as autoridades não forem capazes de arbitrar, com a devida urgência, estas conversões com uma regulamentação razoável, e chegar a impor a mudança para o real pela média dos preços efetivamente recebidos eles acabarão consolidando o atual estado de calamidade pública dos hospitais.
Com isso, grandes tensões serão transferidas para a nova moeda, o real, e o governo será acusado de estar beneficiando os oligopólios e oligopsônios.
Certamente, este não é o tratamento que deva ser dado à saúde.

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