São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BC ainda busca caminho para os juros

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A taxa de juro real da economia, aquela que sobra depois de descontada a inflação, será menor em junho –o mês imediatamente anterior ao da criação da nova moeda– do que em maio.
É um efeito "inevitável", diz Pedro Bodin, do Banco Icatu e ex-diretor do Banco Central (BC).
A queda é uma resultante da forma como está estruturado e funciona o mercado financeiro.
Desde o Plano Collor, o setor privado (empresas e pessoas físicas) não tem acesso direto ao over (títulos públicos). Só os bancos.
Os negócios no over são liquidados financeiramente no mesmo dia (pagos imediatamente).
O setor privado só tem acesso a um mercado que paga juros diariamente: o CDI (interbancário). Ali, os negócios são liquidados no dia seguinte.
O juro do CDI sempre procura antecipar o juro do over do dia seguinte. A razão é simples. Se um cheque é depositado (CDI), vira, no dia seguinte, dinheiro (over).
Os bancos são os únicos atores privados que participam dos dois mercados. Eles, portanto, arbitram as taxas de juros.
Assim, no dia 30 de junho, o juro do CDI será o do over do dia 1º de julho (que já vai embutir uma expectativa de inflação muito mais baixa).
Isto significa que, no acumulado do mês de junho, a taxa do CDI ficará menor do que a taxa do over.
A diferença entre over e CDI, calcula Cândido Bracher, do BBA Creditanstalt, será de 1,7%.
Hoje o juro real da economia está na faixa de 2,7% ao mês. Para ficar no mesmo nível em junho, o BC seria obrigado a pagar uma taxa real no over de, aproximadamente, 4,5% ao mês, ou o equivalente a 69,6% ao ano.
"Eu imagino que o juro, em junho, será um pouco maior no over e um pouco menor no CDI", diz Bodin.
Ele acredita que esta queda não trará maiores problemas na transição. As empresas e pessoas físicas, afirma, vão continuar trabalhando com a idéia de que o juro real em julho será muito elevado.
João César Tourinho, do Banco Europeu, concorda. "Não vejo ninguém disposto a apostar para ganhar do Plano. Todas as empresas estão preocupadas em garantir que seus recursos serão corrigidos pelo juro do CDI".
Mas nos momentos de transição o mercado sempre está sujeito a surtos especulativos –um juro um pouco menor, ou percebido como tal, poderia ser um fator a mais para a especulação.
O objetivo da política de juros altos (antes e, principalmente, após a nova moeda) é fazer o dinheiro permanecer no mercado financeiro (impedir a fuga para o consumo ou para a especulação com estoques).
Pré ou pós
A diferença entre over e CDI é apenas um dos problemas da transição. Na sexta-feira, o diretor de Política Monetária do BC, Alkimar Moura, esteve reunido, em São Paulo, com executivos do mercado.
Em pauta, se a transição deve ser feita com títulos prefixados (os juros embutindo uma expectativa de inflação) ou pós-fixados. Ou seja, o cálculo da TR deve permanecer como está ou ser baseado nos juros diários do CDI.
Na primeira hipótese, o BC será obrigado a definir e a mostrar ao mercado, com antecedência, qual será a taxa de juros de julho (a da nova moeda). Na segunda, não. Ambas têm defensores dentro e fora do BC.
Cada cenário pede um determinado título público. Não é por acaso que voltaram a circular rumores de que o BC estaria estudando a volta de algum papel ao estilo das antigas LFTs (título público que paga o rendimento diário do over).
Não é uma decisão fácil. Em cada cenário um tipo de aplicação financeira seria beneficiado.
Por exemplo, se a forma de cálculo da TR for alterada, a rentabilidade do antigo fundão pode melhorar um pouquinho, embora, como afirma Renê Aduan, do Banco Real, "pelo menos 33% da carteira não receba taxas adequadas".
A única coisa certa é que o BC terá que definir e anunciar as medidas antes de 1º de junho. O risco é travar os negócio no mercado, por falta de regras.

Texto Anterior: Maioria dos comerciais é reprovada em pesquisa
Próximo Texto: Supermercados vão adotar URV
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.