São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 1994
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O Brasil que renasce

LUÍS NASSIF

O sábado foi um dia agitado para Sérgio Wigberto Risola, diretor executivo da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento (Anfacer). Encerrava-se a feira anual do setor, no parque de Convenções do Anhembi, contando com expositores brasileiros, espanhóis e italianos. Durante a feira, a Anfacer preparou seminários de produtividade e qualidade, trouxe oito especialistas internacionais na matéria, organizou concurso de azulejistas (o sujeito que assenta o azulejo), lançou uma publicação explicando didaticamente normas técnicas e padrões de qualidade para seus associados.
Quatro anos atrás, o trabalho de Sérgio Risola consistia em reunir-se mensalmente com representantes das empresas do setor, para definir a estratégia a ser tratada com o Conselho Interministerial de Preços (CIP), o órgão federal incumbido de definir os preços do setor.
Nos Estados Unidos, reunião com mais de dois diretores de empresas do mesmo setor dá processo, por abuso de poder econômico. No Brasil, o acerto de preços era exigência do próprio governo.
Na reunião interna, cada empresa apresentava sua planilha de custos. Escolhia-se a pior planilha, que era levada por Sérgio ao burocrata incumbido de definir os preços. Depois, no dia-a-dia, competia-lhe atender a pequenos pedidos dos burocratas: uma viagem para Disneyworld, o fim de semana em alguma fazenda. E ficava-se nisso.
Não se julgue que o modelo do CIP, fixado em pleno apogeu do chamado "milagre econômico", era fruto apenas da visão torta de política industrial. Tinha sua utilidade política para os donos do Estado. Era um modelo que calava críticas do meio empresarial, obrigava todas as empresas cipadas a beijarem a mão do governo –mesmo aquelas que não frequentavam as tetas do BNDES.
Em 1990, com a abertura da economia e o fim do CIP, o setor de azulejo sentiu-se perdido. Sem alternativas, voltou a se sentar em torno de uma mesa, não mais para combinar seus preços, mas para discutir saídas para a crise, no âmbito da Câmara Setorial e do Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade.
Em três anos, mudou sua face. Na feira, o italianos da Siti –um dos dois ou três maiores fabricantes mundiais de equipamentos de cerâmica– não acreditaram no que viram. Conforme seus representantes admitiram ao colunista, com exceção do design, constaram que a qualidade média dos expositores brasileiros já se igualava a dos dois maiores produtores mundiais –Itália e Espanha. Algumas empresas especificamente já podiam ser colocadas em pé de igualdade com os maiores fabricantes dos países líderes. Tudo isto em dois ou três anos!
Em 1989, o setor de piso produziu 86 milhões de metros quadrados. Com a abertura e a crise de liquidez de 1990, a produção caiu para 60 milhões de metros quadrados. Em 1991, caiu para 64 milhões. No ano passado, enfrentando concorrência internacional, redução de alíquotas de importação, impostos altos, fechou em 107 milhões de metros quadrados.
Esta explosão não é exclusiva do setor de ladrilhos e azulejos. Está ocorrendo em centenas de setores do país. Só agora, com os resultados alcançados, vê-se na prática o enorme prejuízo que o fechamento econômico e o uso de política econômica como instrumento de poder produziu em duas décadas de distorções.
A abertura salva
A abertura econômica brasileira deve muito à ignorância do presidente da República Itamar Franco. Logo que assumiu o poder, era idéia de Itamar fechar novamente a economia. Preocupado com a questão, e não sendo especialista na matéria, o então Ministro da Fazenda Gustavo Krause solicitou ao secretário-geral do Ministério da Indústria e do Comércio (MIC), Antonio Maciel (um dos idealizadores da abertura), que preparasse uma exposição de motivos para que Krause tentasse demover o presidente de suas intenções.
Foi feita uma exposição extremamente didática, que pudesse ser acessível a qualquer ginasiano, expondo princípios modernos de política industrial, e o papel da abertura nesse processo. E o presidente impassível.
A abertura foi salva pelo último argumento do trabalho: o de que o fechamento da economia constituía-se em privilégio indevido às empresas nacionais, já que garantia lucro sem exigir eficiência. Aí o homem que acabara de assumir o comando da sétima economia industrial do planeta escancarou um sorriso e deu a sentença final: "Pode continuar com a abertura, para que a gente possa ferrar esses exploradores".

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