São Paulo, sábado, 28 de maio de 1994
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PC e os índios

JOSUÉ MACHADO

A grafia dos nomes indígenas andou mais confusa do que a estratégia do Parreira e a moral do nosso amado Congresso. "Jornal do Brasil", "Jornal da Tarde", "Veja", "IstoÉ", Globo, Folha e mais alguns jornais e revistas publicaram reportagens sobre os índios ianomâmis, chamando os pobrezinhos de "yanomami", "Yanomami" e "yanomani". Com y, às vezes com inicial maiúscula, às vezes com dois enes e sem circunflexo. O leitor Carlos Alberto G. Bijos, de São José dos Campos (SP), acha incorreto escreverem também Yawalapiti, Kopenewa, Paiakan e outros, Influência dos etnólogos, que escrevem os nomes das tribos indígenas no singular, com k, y e w e inicial maiúscula. Portanto, de acordo com eles devemos escrever os Bororo, os Kayapó, os Waiká, os Karajá e assim por diante. Por que não os saxões Alemão, os orientais Japonês, os semitas Judeu, os Francês? Por que não os Egypcyo, aquele pessoal do Egypto; os Beocyo, aquela gente da Beócya; as Lésbyka, aquelas mocinhas de Lesbos, pátria de Safo, que dispensavam homens até para empurrar geladeiras?
Seria bom lembrar que em português os substantivos e adjetivos ainda são variáveis em gênero e número e que não há razão para dar tratamento especial aos que indicam etnia. Convém lembrar também que as letras k, y e w foram banidas da nossa língua em 1943 na grafia das coisas da terra. E não há nada mais da terra do que os índios remanescentes.
Ou será Yndios ou Yndyos? Essas letras só devem ser usadas em abreviaturas (kg, kw, etc.), símbolos internacionais apropriados (K, de potássio; Y, de ítrio e outros), bem como em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros (kantiano etc.). No mais elas são substituíveis sem dor, como os anões do Orçamento, por c, qu, i, v ou u, como todos sabemos desde que começamos a ler.
As armas do Quércia
E por que inicial maiúscula, como em francês e inglês? Inicial maiúscula em português só para nomes próprios e condições especiais, entre as quais não se inclui a etnia. Se se aplicarem na escrita comum as normas particulares de cada grupo de estudiosos, principalmente estrangeiros que saem por aí a pesquisar, a coisa fica feia como os relatórios sobre os adversários com que o Quércia vai elevar o nível da campanha. Não é porque os etnólogos, importados ou não, usam k, y e w e escrevem os nomes das tribos sempre no singular e com maiúscula inicial, que vamos macaquear a grafia deles na língua nossa de todo dia.
O leitor tem razão, escreveremos certo bororós, caiapós, capenauas, carajás, ianomâmis, iaualapitis, alemães, franceses, lésbicas, etc. E Paiacã, o cacique tarado que estuprou uma garota. Aliás, ele está livre, como o Collor, o João Alves, o Fiuza e o resto. Por isso o PC, enquanto estuda etnologia e toma seu Logan 20 anos, pergunta, ouvindo as declarações do procurador-geral da República, Aristides Junqueira, de que faz e acontece: "E os outros, Aristides?"

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em Línguas Neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversas publicações diárias.

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