São Paulo, sábado, 28 de maio de 1994
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Regra monetária ou independência do BC

EDUARDO LUNDBERG

Aproxima-se a implementação do real e pouco sabemos ainda quanto à forma a ser utilizada para assegurar estabilidade e credibilidade dessa nova moeda. Este texto sumariza as duas opções polares existentes para isso. Ou ancoramos o real no câmbio ("ditadura de uma regra") ou controlamos a oferta monetária (âncora nominal ou monetária), dando independência ao Banco Central ("ditadura de uma instituição").
A alternativa "regra" é historicamente uma boa opção para garantir estabilidade de preços. Enquanto a moeda era uma mercadoria (ouro/prata), ou conversível no metal monetário (uma rígida regra de padrão ouro), havia outros problemas, mas não havia inflação. Com o paulatino abandono do padrão ouro, as moedas dos diferentes países tornaram-se fiduciárias. Na tradição dessa regra monetária, ainda existem países que adotam regime de câmbio fixo (em relação a uma moeda forte de um país desenvolvido) para ancorar preços domésticos.
Hoje, entretanto, têm tido mais sucesso em garantir a estabilidade monetária os países que derem maior autonomia ao órgão que emite a moeda fiduciária (independência do BC), evitando a tentação de utilizar a emissão monetária para o financiamento inflacionário de déficits públicos. É claro que um BC independente pode e deve colaborar para o atendimento de outros objetivos do governo, desde que não comprometa seu objetivo maior de guardião da moeda.
Na prática, um BC independente se justifica para permitir uma política monetária discricionária (sem regras a priori). Nesses casos, em geral, o BC procura influenciar o comportamento dos preços através do controle monetário. Nessa opção convencional, o BC fixa a oferta de moeda, deixando o mercado a determinação das taxas de câmbio e de juros de equilíbrio.
Por outro lado, no país que adota o regime de câmbio fixo, a oferta de moeda é necessariamente endógena, ou seja, o BC se obriga a emitir toda a moeda que o mercado demandar à taxa de câmbio fixada. Nesse regime, o país abdica de sua soberania na condução da política monetária, permitindo que o desempenho de sua economia dependa fortemente da evolução do balanço de pagamentos e, portanto, do comportamento da economia internacional.
No regime de câmbio fixo, o BC não determina os juros domésticos, pois o mercado fará que eles acompanhem os juros internacionais (acrescido de um diferencial de risco). No regime de âncora monetária, os juros domésticos também serão fixados pelo mercado.
Entretanto, nesse regime o BC sempre pode afetar os juros domésticos, bastando aumentar ou diminuir a oferta de moeda na economia. Nesse sentido, a opção BC independente é mais flexível. Numa versão rígida de câmbio fixo, como na Argentina, a eventual necessidade de alterar a regra pode ser difícil e traumática.
Obviamente ambas alternativas são válidas para obter a estabilidade de preços. Entretanto, a opção de âncora nominal/independência do BC é mais flexível e adequada ao perfil econômico de um país pouco aberto ao comércio internacional, admitindo uma política econômica nacional, menos atrelada ao resto do mundo. Não por mera coincidência, é a opção preferida pela maioria dos países.
Para consolidar o fim da inflação, é admissível a adoção transitória de câmbio fixo até que o real adquira algum grau de credibilidade e até que o BC, independente, consolide os mecanismos de controle monetário, assumindo um modelo mais convencional para a política monetária.
Por fim, ao referirmo-nos acima à "ditadura de uma regra" e à "ditadura de uma instituição" (BC independente), queremos deixar claro nosso inconformismo com a atual anarquia monetária. Não bastam as medidas de ajuste fiscal e de desindexação para acabar com a inflação. É preciso criar uma moeda forte e respeitada!
Por isso, urge implementar um guardião forte para a moeda: um BC independente. A propósito, a independência de que se fala restringe-se a autonomia para gerir e formular a política monetéria tendo sido adotada com sucesso em muitos países democráticos.

EDUARDO LUIS LUNDBERG, 41, economista, é doutorado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (IPE/USP) e conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-SP).

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