São Paulo, sábado, 28 de maio de 1994
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A greve na USP e os índices do custo de vida

PAUL SINGER

As universidades estaduais, entre as quais a USP, estão em greve e no centro do conflito estão versões divergentes sobre perdas salariais. Para a reitoria, que usa o Índice do Custo de Vida da Fipe, feito na própria USP, a reposição plena das perdas do último ano requer um aumento real de 6,22%. Para as categorias em greve, que usam o ICV do Dieese, o aumento requerido é bem maior, de 17,85%.
Em maio de 94, a reitoria resolveu dar um aumento real de 8%, o que de acordo com os cálculos da mesma, eleva os salários a 88,7% do seu poder de compra de janeiro de 1989; mas, para os grevistas, os mesmos 8% deixam os seus salários com apenas 52,1% do seu poder de compra daquele mês. Como interpretar estas divergências?
Examinando os dois índices em confronto, verifica-se que o do Dieese aponta um aumento do custo de vida um pouco maior que o da Fipe. Nos últimos 12 meses, a inflação mensal foi de 34,3% pelo ICV-Dieese e 33,3% pelo ICV-Fipe. Os índices calculados pelo IBGE dão: 33,3% o INPC e 33,0% o IPCA.
Para o período de janeiro de 89 a abril de 94 as discrepâncias são semelhantes: a inflação mensal teria sido de 24,2% pelo ICV-Dieese, 23,2% pelo ICV-Fipe, 22,9% pelo INPC e 23,0% pelo IPCA.
Diferenças de até um ponto percentual entre variações de mais de 20% ou 30% devem ser consideradas normais, já que as metodologias dos diferentes índices não são idênticas.
Índices de preços ao consumidor procuram exprimir inflações médias, correspondentes aos gastos de diversas famílias "padrão", nenhuma das quais representa a maioria das famílias da população. Na realidade, cada família real –conforme a renda, a idade, o sexo, a escolaridade etc. de seus membros– tem sua própria cesta de consumo e portanto sua própria inflação. Portanto, não há como afirmar a superioridade de um índice em relação aos outros, mesmo porque todos eles revelam inflações similares.
Não obstante, em períodos maiores, diferenças minúsculas acabam ficando significativas. De janeiro de 89 a abril de 94, os preços foram multiplicados 2.727.562 vezes de acordo com o ICV-Dieese, 1.649.470 vezes de acordo com o ICV-Fipe, 1.439.006 vezes de acordo com o INPC, 1.453.849 vezes de acordo com o IPCA.
Assim, se um salário por exemplo de janeiro de 1989 estiver em abril de 1994 multiplicado por "apenas" 1,5 milhão, ele terá perdido 45% de seu poder de compra segundo o ICV-Dieese, 9,1% segundo o ICV-Fipe, tendo ganho 4,2% de poder de compra segundo o INPC e 3,2% segundo o IPCA.
É inútil perguntar onde está a verdade. As discrepâncias entre quatro índices idôneos e corretos são devidas unicamente à enormidade da inflação, no bojo da qual os preços variam, muitos ficando acima ou abaixo da média. Os índices de preços dão a idéia oposta: se em cinco anos a inflação foi de x, cada preço individual subiu nesta proporção.
Mas isso não é verdade. Flutuações na oferta ou na demanda, altas de determinadas custos, modificações tributárias e muitos outros fatores causam considerável variabilidade dos preços em relação a sua média e por isso cálculos feitos com ponderações diferentes podem facilmente dar médias diferentes.
O que este episódio demonstra é que a inflação estratosférica acarreta uma irremediável perda de visibilidade econômica. Professores e funcionários da USP do mesmo modo que a administração universitária simplesmente não sabem e nem têm como saber o tamanho da perda salarial, ocorrida nos últimos anos. O mesmo se passa com as demais categorias de assalariados e de empregadores.
A inflação estratosférica suscita mais conflitos e os exacerba, porque corrói a comparabilidade dos valores e torna a impressão subjetiva de perdas ou ganhos impossível de ser verificada. Além disso, torna o resultado aleatório, porque impede às partes avaliarem com objetividade os lances próprios e da parte contrária.
No caso em apreço, o reitor e demais dirigentes da universidade devem estar convencidos de que sua oferta é generosa, o que não impede que os docentes e funcionários em greve estejam convictos de que ela está muito aquém do que precisam e merecem. Inflação muito alta e conflitos exacerbados se condicionam mutuamente e têm de ser resolvidos em conjunto.

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