São Paulo, sábado, 28 de maio de 1994
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Tristeza toma conta da estética dos 90

EVA JOORY

ERIKA PALOMINO; EVA JOORY
DA REPORTAGEM LOCAL

ERIKA PALOMINO
Não se trata de um revival do dark dos anos 80. Ainda bem. E também não é só a tal retomada dos ideais existencialistas que celebra de novo a obra de Albert Camus e leva em seu arrastão fenômenos como a morte de Kurt Cobain. Observe o sucesso –ou a projeção– da tristeza no imaginário do momento.
Tome –com todos os fatores mercadológicos incluídos– o êxito de filmes como "A Lista de Schindler" e "Filadélfia". Mais o hype em torno do "sadcore" –termo que significa "tristeza pesada", o estilo sofrido de cantar como o da banda californiana American Music Club.
Ou pense no triunfo das modelos em olhares distantes na fotografia de moda e mesmo em campanhas publicitárias como as da marca Jil Sander, com a top Amber Valetta com olheiras e tudo.
Considere ainda o trabalho de estilistas como belgas Martin Margiela e Ann Demeulemeester, do austríaco Helmut Lang, ou dos japoneses Yohji Yamamoto e Rei Kawakubo para sua marca Comme Des Garçons.
Margiela, por exemplo, um dos nomes de vanguarda preferidos do momento, faz de seus desfiles antidesfiles, sem glamour ou caráter de "apresentação". No último verão, pintou números e letras no pescoço das modelos. Mulheres em série?
Nem é necessário ir tão longe. O jovem paulistano Alexandre Herchcovitch, 22, mostrou em seu desfile de inverno mulheres de chifres e maquiagem escorrida que deixaram parte do público assustado. "Morbidez" foi uma das palavras usadas para criticar a coleção. Agora, para a apresentação dos novos tecidos da tecelagem Rhodia, em junho na Fenit, a trilha sonora é feita de canções de ninar em iídiche.
"É bem tristão", explica o estilista. "Crio minhas roupas pensando em imagens de pessoas sofridas, especialmente mães. Mas não sou uma pessoa triste."
Herchcovitch nega que reflita o fim de século, como a imprensa gosta de definir esse tipo de abordagem. "Eu nem vejo o jornal, nem sei onde matam criança por aí", retruca.
"Eu não chamaria de tristeza. Seria mais um sentimento de descontentamento", define o poeta e filósofo Rubens Rodrigues Torres Filho, 52. "Quando alguns valores morrem, e surge um vazio, isso é a transição para o aparecimento de valores futuros. Pode haver um luto pela perda desses valores, mas ao mesmo tempo há um clima de expectativa em relação ao novo.
Para o estilista carioca Régis Fadel, que faz na marca Sucumbe a Cólera roupas francamente bem-humoradas e e alegres, São Paulo tem uma tendência maior à tristeza: "O Rio é uma cidade com uma personalidade mais marcante, mais brasileira. São Paulo recebe mais influências, é mais cosmopolita". Mesmo assim Fadel acha que a euforia é o sentimento que vai dominar este fim de século: "Apesar de o Brasil estar vivendo um momento triste interno, minha expectativa é com o ano 2000: muita coisa boa acontecerá até lá."
Agora, se tudo isso tem mesmo a ver com o fim do século, é Rubens Rodrigues Torres Filho quem melhor sintetiza: "Não sei".

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