São Paulo, sábado, 28 de maio de 1994
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Vícios e muletas

Com a aproximação do real, as dificuldades de se alcançar a estabilização econômica deixam de ser apenas conceituais ou políticas e assumem a forma das pressões defensivas nos vários setores.
A princípio, todos querem a estabilidade. Mas, pragmaticamente, cada setor joga com a possibilidade de entrar no novo regime econômico sem perder completamente algumas das muletas com que, mal ou bem, sobreviveu ao longo de décadas de inflação crônica. É evidente, entretanto, que o sucesso da estabilização guarda relação direta com a capacidade dos agentes e setores econômicos de sobreviverem sem essas muletas inflacionárias.
O governo é o primeiro a deixar no ar uma sombra de dúvida. Pretende por exemplo preservar a Ufir, dispondo-se tão somente a mantê-la congelada por algum tempo. Fica a suspeita de que, se a inflação voltar ao longo do segundo semestre, em algum momento a Ufir seria descongelada para reindexar os impostos (talvez antes da reindexação de salários, por exemplo).
De outro lado, já na aprovação da URV o governo acabou cedendo e, para atender a demandas de parlamentares, criou um novo índice de preços que por definição será usado para corrigir salários nas datas de dissídio, antes mesmo de vencer o prazo de 12 meses que a mesma MP prevê como período mínimo sem nenhuma indexação.
Indústria e comércio temem que o governo superestime os riscos de excesso de consumo nos primeiros meses do real. Tratam portanto de se mobilizar desde já por juros baixos e nenhum controle de crédito até segunda ordem. De seu ponto de vista, evidentemente subestimam a necessidade de calçar a nova moeda contra quaisquer formas de especulação com estoques, ativos ou moeda estrangeira.
Na luta pela estabilidade, o sucesso depende de se acreditar no sucesso. Mas essa luta tem custos e exige sacrifícios. Largar as muletas sob a condição de contar com outros apoios levará não à cura, mas à troca de uns vícios por outros.

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