São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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Avocatória pode ser melhor que inércia

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quase dois mil dias depois da Constituição de 88, o STF –Supremo Tribunal Federal– considerou ilegais greves do funcionalismo público porque o artigo 37 não foi objeto da lei complementar. A Carta Magna autoriza a greve, mas a subordina a lei complementar que defina os limites e os termos do movimento paredista. Lei complementar que, até hoje, não foi editada.
Com o passar dos anos, o funcionalismo aplicou a Lei de Greve (válida para os trabalhadores em geral) para suas relações com a administração. Acontece, porém, que a Constituição divide os empregados em duas categorias: o trabalhador e o servidor. Não há ironia em relacionar os que militam na atividade privada com o verbo trabalhar e os que atuam na área pública com o verbo servir. Servem (em tese, pelo menos) a sociedade em geral, de cujos bolsos sai o dinheiro que movimenta a máquina pública.
O julgamento da Suprema Corte, muitas greves e milhões de dólares de prejuízos depois de 88, mudou tudo. Movimento paredista com abono constitucional só quando houver lei complementar, que não se confunde com a lei ordinária. Esta pode ser votada e aprovada por maioria simples. A lei complementar tem, no regimento das duas Casas do Congresso, procedimento mais complicado, sujeito a aprovação por maioria absoluta (metade mais um de todos os membros).
Decisão tão tardia, como a agora adotada pelo STF, repropõe a pergunta: deve ou não deve a mais alta Corte ter o poder de pré-resolver certas questões de relevante interesse nacional, antes mesmo que os processos lhe sejam submetidos pelos canais usuais?
Em 1977 o governo militar entendeu conveniente autorizar o STF a avocar processos, a pedido do procurador geral da República, que era da confiança pessoal do chefe do Executivo. A Suprema Corte foi extremamente prudente na acolhida de avocatórias, que lhe permitiam suspender decisão anterior de qualquer tribunal, para reexame completo do processo. A origem espúria do procedimento tornou-o inviável na democracia. Todavia, o impacto do tardio julgamento sobre a greve mostra a necessidade de ponderar sobre o que é melhor para a nação.
Vejo dois caminhos. Um deles consiste na avocatória com a qual o Congresso teria sido forçado a legislar e o país não teria de esperar dezenas de greves, envolvendo milhões de funcionários (quantas aulas perdidas com os movimentos de professores?) para descobrir que eram ilegais. Outro caminho é o do mandado de injunção para que o Congresso edite a lei faltante, sob pena de o Judiciário suprir a omissão. Contudo, reconheço que o mandado de injunção, de aparência fortíssima, foi emasculado. Terminou inútil. O STF preferiu não suprir a omissão legislativa nem mesmo no caso concreto.
Acontece, porém, que a ação declaratória de constitucionalidade (aprovada pela Emenda nº 3 à Constituição de 88) é espécie disfarçada de avocatória, válida para os interesses do governo. A solução equilibrada buscará uma avocatória, sem esse nome odiadíssimo, contra abusos constitucionais do governo. Bastará que seu requerimento caiba a instituições livres da ingerência governamental (a Ordem dos Advogados do Brasil, os partidos políticos e as federações do sindicalismo brasileiro, por exemplo).
Tudo bem pensado, o ponto de equilíbrio estará entre a estabilidade e a previsibilidade jurídica e o impedimento de que a pressão política do poder dominante ofenda o direito da sociedade. Os juristas têm o dever de enfrentar o problema.

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