São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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Não quero viver da doença

JOSÉ ELIAS AIEX NETO

Resolvi ser médico quando era uma criança que se deslumbrava com o trabalho realizado pelo único profissional que exercia esta profissão na cidade onde eu residia. Era um trabalho misto de sacerdócio, executado com idealismo por aquele homem que tinha perdido o domínio de sua vida, a qual ele entregara à comunidade.
Depois de perseguir este ideal, consegui receber o diploma de médico aos 23 anos de idade. Todo vigor que tem o ser humano na faixa dos 20 anos, eu coloquei no trabalho médico.
Hoje, aos 42 anos, depois de 18 de atividade profissional, de participação dentro de entidades médicas e de uma breve experiência como secretário municipal de Saúde de uma cidade de 200 mil habitantes, vinha me sentindo em uma situação desconfortável.
Depois de procurar encontrar os motivos que estariam me levando a tal situação, há poucos dias entendi o que estava acontecendo. Descobri que me causa um profundo mal-estar ter que depender de meu consultório particular para dar algum conforto para minha família, pois o salário que recebo do emprego público para uma jornada de quatro horas diárias (que são religiosamente cumpridas), não dá sequer para as despesas de alimentação e educação.
A angústia presente neste contexto é causada pelo fato de que em meu consultório particular eu só atendo doentes. Sei que quando ajudo uma pessoa a se recuperar eu estou cumprindo meu dever, e isso me dá uma grande gratificação.
Porém, isso não basta, pois sei que existem muitos países do mundo onde o papel do médico é evitar que as pessoas adoeçam. Minha vontade era de poder trabalhar cuidando da saúde das pessoas, dando-lhes orientações de como prevenir doenças e viverem melhor.
O meu desencanto é maior quando sinto que não há, por parte das autoridades deste país, o mínimo interesse de investir em promoção de saúde e prevenção de doenças. Tristemente, constato que, assim como eu, milhares de jovens médicos estão saindo das faculdades sem outra opção a não ser a de viver da doença. Eu não quero viver da doença e não quero que a população brasileira aceite ser cuidada por médicos que dependem do adoecer.
Lanço um apelo a todos que querem mudar este quadro: vamos fortalecer o Movimento Popular pela Saúde, dando-lhe contornos nacionais e estabelecendo como uma de suas bandeiras o desafio de dar ao médico a tranquilidade de saber que está cuidando da saúde do povo e não vivendo da doença.

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