São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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Algo de estranho no ar

ALBERTO HELENA JR.

O estádio de Edmonton é simplesmente um encanto. Nada daqueles monumentos ao mau gosto que costumamos erguer por aí, para abrigar hostilmente centenas de milhares de pessoas. Nada disso.
Aqui, a lotação é de, no máximo, 60 mil pessoas, que vão lentamente tomando seus lugares, uma hora antes de o jogo começar. São dois lances de arquibancadas, poltroninhas de plástico com assentos dobráveis, como nos cinemas de antigamente.
As arquibancadas superiores abrem-se como um leque, quebrando harmoniosamente as linhas sinuosas que ligam, ao fundo, atrás do gol à esquerda das tribunas, o novo lance de cadeiras.
À direita, um complexo arquitetônico de linhas simples e funcionais abriga um centro recreativo e de fisioterapia de fazer inveja a qualquer clube grande brasileiro.
O gramado, então, nem se fala. Trata-se de um sutil desafio a qualquer jogador que pretenda ser chamado de craque. Grama macia, cortada rente, chão liso como um pano de mesa de sinuca.
Sol, embora nuvens escuras se aproximem insidiosamente, e uma temperatura agradável, por volta dos 24 graus, dos nossos, com um ventinho fresco que, dizem, vem de montanhas distantes e geladas.
Meia hora antes, o Brasil entra em campo para o já tradicional aquecimento. Ouvem-se mais vaias do que aplausos, das cadeiras agora já pontilhadas de grupos de pessoas.
Não vejo Ricardo Rocha em campo. Foi vetado pelo departamento médico, com dores na coxa esquerda. Em seu lugar, está Aldair. Chiiii...
Bola rolando, e é exatamente em cima de Aldair que nascem as duas únicas jogadas perigosas dos canadenses: dois cruzamentos interceptados por Taffarel.
Isso foi por volta dos 10min, quando os canadenses tinham fôlego e disciplina para aplicar uma implacável marcação individual sobre o Brasil.
Nosso time não conseguia desenvolver uma única jogada mais incisiva. Pior: nem mesmo dominar a bola, sem que um canadense não estivesse fungando no cangote do brasileiro.
E assim foi até os 20 minutos, mais ou menos (aqui o placar marca ao contrário, como no basquete e no futebol americano).
Deu-se, então, o primeiro lance de perigo, com Bebeto servindo Romário, na cara do gol. Bola fora. Logo em seguida, invertem-se os jogadores, mas o resultado é igual: Bebeto tenta encobrir o goleiro, que evita. Mais adiante, quatro minutos, belo lançamento de Raí a Jorginho, o cruzamento perfeito e Bebeto mete de cabeça na trave.
Os canadenses já não conseguiam mais manter a marcação rígida de início, e os nossos atacantes, com rápidas deslocações, iam acumulando chances desperdiçadas até que, no finzinho do primeiro tempo, Romário, em brilhante investida, consegue livrar-se de três adversários e toca para as redes.
Na volta para o segundo tempo, uma novidade: Mazinho, no lugar de Mauro Silva.
Dunga passou para o lugar de Mauro e, logo de saída, faz primoroso lançamento –creiam– para Bebeto, sozinho, diante do goleiro chutar para fora.
Bebeto, aliás, ainda perderia mais umas duas chances incríveis, enquanto Dunga tomava conta do meio-campo, esmerando-se em passes de trivela e viradas de jogo inteligentes, ofuscando assim seu novo parceiro de armação.
Certamente, havia algo de estranho no ar. E a nossa cota de desperdício esgotou-se por volta dos 20 minutos, quando Parreira resolveu mexer ainda mais no time. Sacou Raí e Jorginho, colocando em seus lugares Paulo Sérgio e Cafu.
Foi o bastante para a equipe desarticular-se de tal forma que os canadenses, até então satisfeitos com o 1 a 0, arriscaram um pouco. E Berdusco, aos 24min, aproveitou-se de uma falha absurda de Ricardo Gomes, e, frente à frente com Taffarel, fuzilou.
Daí até o final, uma sucessão de erros brasileiros. Será um sinal?
Ou nada mais que o esperado?

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