São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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O meio-de-campo pede solução urgente

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, ainda não é hora do catastrofismo. Nem é hora para entrar no outro pólo da ciclotimia brasileira, a da deprê total. É hora, sim, de por o otimismo no molho das barbas.
O time concebido como titular por Carlos Alberto Parreira, o do primeiro tempo do jogo de ontem contra o Canadá, lembra aquela história do camponês russo com a bomba atômica.
Um belo dia, deixaram com ele a maleta que detonaria o artefato capaz de acabar com a humanidade. Só que o camponês, como o time brasileiro, não tinha a menor idéia de como acioná-lo.
A bomba atômica chama-se Bebeto e Romário. O camponês russo (nada a ver com o time que joga contra o Brasil na estréia) chama-se Raí e Zinho. Não houve código de acesso entre os dois.
Sem meio-de-campo, o que se viu foi a tentativa de criação –já que vivem em San Francisco– de uma Golden Gate, uma ponte suspensa, com o ataque na base dos lançamentos e dos chutões.
Os muitos gols marcados nos treinos de Santa Clara deixaram parte da imprensa esportiva demasiadamente otimista. Eu dizia –e repito– aqui que o otimismo carecia ainda de fundamentos.
Um dos excessos deste otimismo foi a quantidade de reportagens dando como certa a recuperação do Raí. Ontem, ele se movimentou um pouco mais, mas continua longe do padrão exigido para o cargo.
O time é ideal para uma pintura de Salvador Dali: tem cabeça (ataque) e membros (defesa, laterais que atacam), mas continua faltando o tronco, a estrutura de ligação e circulação entre os elementos.
Os chutões ou os lançamentos longos, pelo alto, são duplamente ineficientes: facilitam o trabalho da defesa adversária e punem o talento de Bebeto e Romário. A sua melhor arma vira arma do inimigo.
Carlos Alberto Parreira ficou preso demais a Raí e Zinho, como os homens que dariam consistência ao trabalho da bola na equipe. Deu tempo demais. Agora fica difícil trocar essas peças.
Para piorar a situação, Parreira convocou mal. Paulo Sérgio não é o homem que ele espera. Chegou a jogar bem como uma espécie de ala moderno no Corinthians, mas não é um criador de jogo.
Se o time já não ia bem com o meio-de-campo considerado como titular, ele praticamente acabou, se desorganizou completamente, com a entrada de Mazinho e Paulo Sérgio. Caos sem criação.
Parreira fala muito em velocidade na saída com a bola. O time mostrou que ainda está muito lento na arrancada em conjunto. Será que é culpa apenas do intenso condicionamento físico do Moraci?
Parreira fala muito em compactação, em ausência de espaço entre um setor e outro: houve um buraco entre meio-de-campo e ataque, só quebrado em poucos momentos iluminados.
A receita para o êxito hoje em dia é não ter zonas ineficientes no time. Ontem, por exemplo, contra um time frágil, sobrou jogador na destruição e faltou engenheiro, projetista, arquiteto...
Romário e Bebeto, exilados na vanguarda, dificilmente terão condições de ter um rendimento regular. Ficam expostos às explosões ensimesmadas. Serão duas estrelas solitárias. E em outra órbita.
O ponto forte do time de Carlos Alberto Parreira continua sendo as jogadas de fundo pelas laterais. Mas mesmo estas jogadas precisam da figura da ponta do triângulo, do ponto de repique da bola.
E, como a Folha mostrou nos diagramas dos esquemas táticos treinados pela seleção, pela direita elas dependem do Raí. Pela esquerda, do Zinho (a menos que entre o especilista Muller).
Parreira tem dez dias para resolver o enigma que ele mesmo montou.

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