São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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Grupo russo mostra espetáculo afrancesado e pouco convincente

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O teatro russo –não mais soviético, graças a Deus– é um dos que provoca mais curiosidade, hoje no mundo. Até no Brasil. Dois anos atrás, o Festival Internacional de Teatro de Londrina apresentava "Cinzano", a comédia amarga, dolorosa –mas hilariante– de Ludmila Petrushevskaya, uma autora de sucesso na Rússia, hoje.
"As Aventuras de Casanova", agora, no Festival Internacional de Artes Cênicas de São Paulo, é mais uma tentativa de identificar o que anda acontecendo ultimamente na terra de Gógol, Stanislavsky, Tchecov, Meyerhold etc. Pela amostra, não seria muita coisa. Muito nova, a companhia teve pouco a mostrar aos paulistanos.
Talvez, apenas, o quanto os jovens artistas russos estão olhando, saudosos, para trás. O texto de Marina Tsvetaeva, escrito em 1919, serve de desculpa para uma montagem que parece querer chegar ainda mais longe no tempo. Voltar à Rússia de muito antes, não só da revolução comunista, mas até da revolução moderna.
Um país de dois séculos atrás, quando dominavam valores afrancesados como aqueles expressos em "Casanova". Não que tenha sido possível entender os intermináveis diálogos em russo. Mas com a sinopse –usada para a temporada de Paris, mas, inexplicavelmente, esquecida no festival– os objetivos da montagem tornam-se claros.
Uma frase de Mimi, a jovem das ruas que Casanova faz entrar no hotel, como que sintetiza o sentimento de "As Aventuras de Casanova". Diz ela: "Tudo é como na casa dos grandes senhores". Na montagem, tudo é como na casa dos grandes senhores. Figurinos, objetos de cena e, sobretudo, uma vida egocentrada, distante da sociedade.
Uma vida em que o amor é o único interesse. Como aquele de Casanova por Henri-Henriette. No hotel, com Mimi, o lugar-comum da conquista amorosa relembra este amor, em seu passado. A peça volta então no tempo e apresenta cenas dele com quem o dominou, Henri-Henriette –um papel entre masculino e feminino, como indica seu nome.
Henri-Henriette é feita por Galina Tiunina, na interpretação que deixa maior impressão, na montagem. Pouco ou nada realista, a atriz passa o tempo inteiro representando, antes das palavras, antes de qualquer coisa, a sensualidade do personagem. Causa mais impacto, por exemplo, do que todo o cenário metafórico, por acaso.
Por acaso, porque o corredor como palco –que obriga a limitação do público a menos de quarenta espectadores por apresentação, sinal de que a bilheteria pouco importa– surgiu sem querer, por falta de local para ensaio. Hoje, já exigindo a construção de supostos corredores por onde vai, virou metáfora do tempo, do passado etc.
Com afetado saudosismo, "As Aventuras de Casanova" lembra mais as peças escapistas do teatro da era soviética do que alguma nova criação do teatro russo, de hoje. O seu é um teatro afrancesado como o século que admira –e afrancesado como o Festival Internacional de Artes Cênicas de São Paulo.
Não que o novo teatro russo seja assim. Existe teatro falando para a Rússia de hoje. Peças de grande força, ainda que sobre uma vida urbana jovem, carregada de violência e desesperança. Mas peças como "Claustrophobia" ou "Gaudeamus", do festejado teatro Maly, de São Petersburgo, ficam para uma outra.

Espetáculo: As Aventuras de Casanova
Grupo: Académie Théatrale de Russie (Rússia)
Onde: Sesc Pompéia
Quando: até 8 de junho, às 21h
Quanto: 35 URVs

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