São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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Carta aberta aos empresários

EMERSON KAPAZ

O Brasil vive um dos seus momentos mais ricos, em todos os sentidos: revolução da cidadania, mobilização da sociedade organizada, eleições gerais, rediscussão de prioridades, combate à inflação. A importância da participação das lideranças responsáveis, das elites e dos formadores de opinião nunca foi tão grande como agora.
Nesse sentido, nosso papel, o papel de cada um de nós, cidadãos-empresários, no bojo de um plano de estabilização que dará a chance de voltarmos a viver num país com inflação baixa, é histórico.
Desde o momento em que foi lançado, inclusive com a data de 1º de julho para a introdução da nova moeda, o plano econômico não tem mais dono nem volta.
Seu sucesso ou fracasso, mesmo reconhecendo a forte predominância do governo em algumas decisões, estará solidariamente nas mãos das empresas, dos agentes econômicos, dos sindicalistas, dos consumidores, da imprensa e necessariamente dos políticos.
É certo que será estabelecida uma correlação entre o desempenho do plano e a próxima eleição presidencial. Mas a grande cartada, o que efetivamente estará em jogo, é o nosso país. E quando o Brasil pesa, todos nós deveríamos colocar as mãos na cabeça e pensar duas, três vezes, antes de tomar uma decisão precipitada.
Todos precisamos refletir, especialmente nós, empresários, que temos uma influência muito grande em nível coletivo, quando politicamente organizados, nas decisões nacionais, e individualmente, nos nossos preços.
O momento é difícil, reconheço. De um lado, o governo vem procurando cumprir sua parte, implementando o plano dentro de um cronograma consistente. De outro, temendo um estouro do consumo que certamente não acontecerá, o governo criará uma bolha de recessão através de juros altos e corte do crédito.
E aí? Vamos esperar sentados que esta grande chance de voltar a produzir, a empregar, a investir, a gerar lucro e a reinvestir passe pela nossa frente sem um envolvimento maior de nossa parte?
Não adianta que os empresários tenham apenas uma participação contemplativa. Temos que dar um pedaço de cada um de nós para que esta chance não escorra entre nossos dedos. É preciso que estejamos envolvidos efetivamente com o sucesso deste plano.
Até quando vamos aceitar a velha cantilena de que o aumento dos preços é inevitável, quando na verdade grande parte desse aumento apenas cobre nossa ineficiência? Não podemos imaginar que vamos sair desta espiral inflacionária dando risada. O processo de desindexação será doloroso, sobretudo para os ineficientes.
Quanto à população mais pobre, ela já pagou um preço demasiado alto pela manutenção da inflação nesse patamar escandaloso.
O real vai escancarar a incompetência administrativa do governo e de muitas empresas de todos os portes. É este o desafio que temos que vencer.
Se o governo insiste com juros estratosféricos temendo uma elevação dos preços caso a demanda aumente, o que infelizmente tem acontecido nos últimos anos, devemos propor uma saída negociada.
Vamos negociar. O governo poderia reduzir o patamar de juros incidente na economia e nós assumiríamos o compromisso de aumentar a produção para atender satisfatoriamente a demanda, gerando empregos.
Vamos aumentar a oferta em vez de cortarmos a demanda. Há dez anos os economistas insistem na política de cortar a demanda, sem perceber que a oferta se ajusta mais rapidamente, cortando emprego, produção e elevando preço.
Chega de círculo vicioso para baixo na briga entre governo de um lado, empresários e sindicalistas de outro lado e entre si. O ganhador dessa história não é nenhum destes e sim o sistema financeiro.
Vamos atrás do círculo virtuoso do crescimento com estabilização, priorizando mais emprego, mais produção, mais renda, mais consumo, mais emprego.
Apesar do ano político, das dificuldades de um governo em fim de mandato e de todos os outros problemas que possam ser levantados, as cartas estão dadas. O dia 1º de julho está aí. Vamos esperar ou vamos agir?
Ministro Rubens Ricupero, enquanto ainda é tempo, convoque as lideranças da sociedade organizada para uma negociação. Vamos entrar no real já com um acordo que lhe permita maiores chances de sucesso.
Nossa sociedade, contra tudo e contra alguns poderosos, já derrubou um presidente da República. Será possível que não vamos conseguir derrubar a inflação?

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