São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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Dia Mundial do Meio Ambiente e Tijuco Alto

FABIO FELDMANN

Dois acontecimentos recentes levam-nos a refletir sobre o significado do Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado ontem, 5 de junho: o fim da revisão constitucional e a polêmica em torno da aprovação da construção da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, no Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo.
Apesar do fim melancólico da revisão, seu processo possibilitou a redefinição da agenda ambiental brasileira. O resultado foi, no domínio do legislativo, a sistematização de avanços conceituais, técnicos, políticos e institucionais que permearam a discussão ambiental nos últimos anos, especialmente durante a preparação da Rio-92, e após a conferência.
Os fatores privilegiados na análise das centenas de propostas revisionais e a natureza dos 14 pareceres elaborados pela sub-relatoria de Meio Ambiente consagram o uso dos recursos naturais como elemento fundamental do processo de desenvolvimento e não mais como demanda conservacionista em si.
A conservação passa a ser instrumento de uma determinada escolha desenvolvimentista, ancorada na necessária sustentabilidade de todas as interferências humanas na base natural do planeta.
Embora essa concepção seja declarada em prosa e verso nos discursos oficiais das autoridades governamentais, quase nunca é colocada em prática quando os órgãos e autoridades competentes precisam posicionar-se em relação a empreendimentos que vão na contramão de uma real política de desenvolvimento integrado e sustentado.
Esse foi o caso da atuação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo no tocante à concessão de licença ambiental para a construção da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, no Vale do Ribeira.
Dois questionamentos devem ser feitos:
1) A construção da hidrelétrica foi analisada pelo Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) como um empreendimento isolado, quando em verdade faz parte de um projeto maior, que engloba três outras hidrelétricas, as quais, conjuntamente, terão grandes impactos ambientais e sociais em toda a região, seguramente subdimensionados quando são analisados isoladamente;
2) A omissão do Ministério do Meio Ambiente, que não cumpriu a legislação vigente, estabelecendo competência federal para autorizar empreendimentos que possuem impacto regional e abrangem áreas consideradas patrimônio nacional, como é o caso da hidrelétrica em questão, que afetará os Estados de São Paulo e Paraná, além de áreas de Mata Atlântica.
O exemplo desse episódio é extremamente preocupante, pela abertura da possibilidade do licenciamento de obras desse porte em outros Estados com a simples autorização dos órgãos ambientais estaduais, dando-se sinal verde para a implantação de dezenas de usinas hidrelétricas na Bacia Amazônica, de conformidade com o previsto nos planos governamentais do Ministério das Minas e Energia.
No caso em questão, vale lembrar, o Ibama se fez presente na reunião do Consema por telepatia, atendendo orientação do ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, cujo currículo pessoal e comportamento no caso do Tijuco Alto o recomendariam, isso sim, para a pasta de Minas e Energia.
O que aconteceu em relação ao Tijuco Alto confirma mais uma vez a necessidade de reformulação da política ambiental brasileira.
Esta deve ser incorporada à estratégia de desenvolvimento nacional, ao invés de ser mero objeto de retórica das autoridades governamentais, que se aproveitam inclusive das efemérides para ocupar espaço em rede nacional, dissimulando sua mal disfarçada omissão quando não lhes interessa enfrentar interesses empresariais de curto prazo.
Com a palavra o ministro do Meio Ambiente.

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