São Paulo, quinta-feira, 9 de junho de 1994
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Punir o abuso, sem abuso

Com apoio ostensivo do governo federal, foi aprovada na Câmara uma lei antitruste que certamente será instrumento complementar ao plano de estabilização -até mesmo porque alcança também os administradores de empresas estatais.
A rigor, desde a edição da primeira medida provisória criando a URV o governo colocou em cena a idéia de punir quem fixasse preços abusivos. Mas na prática a URV permitiu exatamente a remarcação de preços. Teoricamente portanto, passada essa fase de transição, aumentos superiores à própria URV (ou seja, à inflação média) só se justificariam em casos especiais. Ocorre que o governo comprometeu-se a não introduzir nenhum tipo de controle de preços como instrumento de estabilização. A lei antitruste será um controle indireto que, aprovado no Congresso, tira do Executivo o ônus de tê-lo criado e ajuda a evitar a especulação.
Mas entre a intenção, justificada, de coibir o abuso econômico, e a ação repressiva concreta, que prevê até mesmo a prisão de empresários e executivos, há uma longa distância que pode dar margem a arbitrariedades. Esta Folha tem insistido na inadequação da pena de prisão nos casos que não representam ameaça física direta a indivíduos.
Certamente a repressão ao abuso econômico tem toda razão de ser. Mecanismos de vigilância dos trustes e fiscalização do poder econômico existem em muitos países civilizados. O risco que se corre sempre no Brasil é transformar-se a boa intenção em burocracia, sem nenhum efeito prático. Os problemas aqui vão piorando na razão direta da multiplicação dos órgãos de fiscalização e controle.
Mas nunca será demais lembrar que a inflação, se aparece como nada mais que aumento de preços, tem como causas fenômenos menos evidentes, como o desajuste fiscal e o desencontro das políticas econômicas. Punir o abuso será sempre correto. Mas é preciso evitar a tentação de quebrar o termômetro para curar a febre.

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