São Paulo, quinta-feira, 9 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Estão roubando a festa

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – A leitura das regras que o TSE estuda para a propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV me trouxe à memória um genial título do jornal francês "Le Monde".
À reportagem sobre o primeiro aniversário do golpe no Chile, faz 20 anos, o jornal aplicou um título altamente heterodoxo. "Os muros estão limpos em Santiago", dizia.
O que tinham a ver os muros de Santiago com o primeiro ano do golpe? Tudo. Antes do golpe, os muros da capital chilena eram um reflexo pictórico e muito vivo da intensa batalha político-ideológica que se travava no país. Estavam repletos de pichações, pinturas, cartazes etc.
Depois, como a ditadura suprimiu a batalha político-ideológico, suprimiu também o seu reflexo nos muros, que ganharam uma caiação de cemitério.
É mais ou menos isso, guardadas as proporções, que o TSE se prepara para fazer. Em nome, aparentemente, da seriedade no debate político, que deveria ser a marca do horário gratuito, vai obrigá-lo a ser chato. No Brasil, aliás, quase sempre se confunde seriedade com chatice.
Nada impede que o debate político sério seja pontuado por vinhetas eletrônicas criativas, por "jingles" envolventes ou por cenas externas que mostrem os problemas nos locais em que eles ocorrem. Pelas regras do TSE, tudo isso fica proibido.
Ou, se se preferir de outra forma, proibe-se o aspecto lúdico que deveria ser parte essencial da democracia. Votar é ou deveria ser muito mais um direito do que um dever. Está-se roubando muito da poesia que deveria haver no episódio eleitoral (se de boa ou má qualidade, é outra discussão).
Pior: as regras do TSE, à primeira vista, não impedem que se repita a maior baixaria já praticada na história eleitoral brasileira, que foi o episódio Miriam Cordeiro, na campanha de 89.
Essa triste figura, a soldo da candidatura Collor, não precisou de externas nem de trucagens ou mixagens para a cafajestada que teve, no mínimo, razoável influência sobre o resultado final.
Pobre país em que até o que os antigos chamavam de festa cívica fica com a perna quebrada, ao menos na TV.

Texto Anterior: Punir o abuso, sem abuso
Próximo Texto: Cuidado com as bocas e os dedos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.