São Paulo, quinta-feira, 9 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cuidado com as bocas e os dedos

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – O secretário-geral da Força Sindical, Enilson Simões de Moura, o Alemão, não gostou de ver publicado ontem, nesta coluna, ataque que lançou contra Lula. "Só trabalhador burro sofre acidente de trabalho", disse Alemão, numa referência ao fato de o candidato do PT não ter um dedo. Pede retificação. Compreensível o pedido: a frase é péssima na boca de um dirigente sindical.
Não vou me deter, aqui, na tentativa de desmentido do dirigente sindical, integrante do comando da campanha de Fernando Henrique Cardoso. Burilada no papel e enviada por fax, a frase assume o seguinte aspecto: "Quanto mais esclarecido o trabalhador, menor a probabilidade de sofrer acidente de trabalho". Completou: "Corre menos risco de perder o dedo no torno". Pena que o escorregão foi cometido na frente de mais de cinco testemunhas.
O escorregão do dirigente sindical me dá a chance de tocar num assunto grave e que, aliás, está exposto em documentos da Força Sindical: o Brasil é tido como o campeão mundial de acidentes de trabalho. É retrato definitivo de nossa baixíssima taxa de cidadania.
Recebi ontem fax da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, informando que, de cada 26 acidentes, uma pessoa morre ou fica mutilada. "Nos últimos 15 anos, os acidentes vitimaram nada menos que 17 milhões de trabalhadores."
E mais: 500 mil dedos são decepados das mãos dos trabalhadores anualmente. Explicação do sindicato: "os trabalhadores têm de usar máquinas obsoletas e prensas que são proibidas nos países desenvolvidos".
Eis aí um bom assunto para ser tratado (a sério e não através de frases lamentáveis) pelos candidatos.
PS – Muitíssimo a propósito, recebi estarrecedora denúncia da Comissão de Meninas e Meninos de Rua de Ariquemes, em Rondônia. Crianças são utilizadas em regime de semi-escravisão nas serrarias de Ariquemes, a 200 km de Porto Velho. Virou rotina perderem os dedos. Um empresário investigado propôs insólita indenização para cada dedo decepado das crianças de sua indústria: um salário mínimo.

Texto Anterior: Estão roubando a festa
Próximo Texto: Proibição inútil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.