São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1994
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O Muller não é rima, mas é uma solução

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, se o empate contra o Canadá não deveria se transformar em estímulo para a fossa (anos 60, lembra-se?), a goleada contra Honduras também não é aquele Prozac.
Os ventos da Califórnia sopram algumas brisas alvissareiras, a saber:
1) Já estou com calo nos dedos de escrever uma verdade óbvia: Muller tem que entrar pela esquerda. Quer se jogue com dois, três ou cinco atacantes.
Os críticos de Muller pensam na sua maneira de jogar futebol da Copa de 90, quando ele era uma espécie de força cega, de raio, de velocista incontrolável.
Este Muller fazia a sua festa principal jogando contra o Corinthians. Invariavelmente, o técnico de plantão no alvinegro punha o bom zagueiro Marcelo (como andará?) para marcá-lo homem-a-homem.
E, mais lento nos reflexos, invariavelmente o pobre do Marcelo perdia no tango mano-a-mano. Mas aquele Muller tinha um grande defeito: era mau finalizador. E displicente na hora H, no dia d.
Seus gols perdidos em 90 construíram esta imagem, esta fantasmagoria, de que ele não servia mais para a seleção. Sua performance não tão brilhante no Torino parecia confirmar esta versão.
Pois bem, Muller voltou ao São Paulo. Mais precisamente, às mãos do construtor de maravilhas contemporâneas chamado Telê Santana. Qual Pinocchio, Muller encontrou o seu Gepeto.
Ele fixou-se pela esquerda. Deixou de ser o corredor maluco. Principalmente: Telê passou a usá-lo mais nas funções de assistência, de preparação do gol, do que no papel de finalizador.
Muller renasceu, como um outro jogador, menos brilhante, mas bem mais eficiente do que o primeiro. Poucos atacantes no mundo se adaptaram tão bem às exigências da posição no futebol de hoje.
Os melhores times e seleções européias marcam homem-a-homem, com alguém na sobra. Isto significa que é muito difícil o domínio da bola, mesmo que ela venha límpida na direção do atacante.
Muller, jogando de costas para o gol, sabe usar como ninguém o corpo para proteger a chegada da bola. Mesmo pressionado por um ou dois marcadores.
Nesta habilidade específica, ele chega a render até mais do que Bebeto e Romário. A neutralização deixa de ser recurso do marcador para ser munição do marcado: a bola fica retida no ataque.
Uma vez quebrada a estratégia da defesa –atrapalhar a retenção da bola pelo ataque– Muller tem, na agulha, a segunda bala: ou dribla rápido, em curto espaço, ou toca para a subida do lateral.
Tanto um lance como o outro, são armas letais no futebol de hoje, principalmente contra as fortes defesas européias. Uma boa defesa como a do Milan, por exemplo, pode anular dois atacantes.
Stoichkov e Romário não viram sinal da bola. Mas três, já é bem mais difícil. Além disso, para preencher o lapso Raí, Parreira fica com a alternativa de recuar um pouco mais o Bebeto para a armação.
Enfim, Muller é uma solução.
2) Outra boa nova foi ver a disposição do Romário. E que o ataque está faminto.
Agora, o outro lado, como reza o nosso "Manual da Redação":
1) O meio-de-campo não existe.
2) Dunga e Mauro Silva estão disfuncionais. Muita munição para pouco inimigo. Força de trabalho ociosa.
3) Ricardo Gomes inspira cuidado, muito cuidado, não é mesmo?
4) Como é que, com tanta gente escalada para marcar, tomamos um gol do Canadá e dois de Honduras?
Mesmo que os russos não comam mais criancinhas e mesmo que, calma minha gente que o leão indomável está sem dente, há perigo a vista. Cuidado, Parreira!

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