São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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Crítico analisa efeitos do vídeo no cinema

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O teórico e crítico de cinema francês Raymond Bellour, 55, fez uma palestra, na quinta-feira à noite, no Museu da Imagem e do Som, sobre as novas relações que se estabelecem entre cinema e literatura diante da ameaça do vídeo e das imagens eletrônicas.
"O cinema e a pintura sempre mantiveram toda uma série de relações muito variadas, que serviram de hipóteses sobre o que era o cinema, como ele substituía a pintura, o que herdou da pintura etc."
"Desde o início dos anos 80, a pintura parece ter de repente um papel um pouco diferente em alguns filmes, na maioria franceses, como `Passion', de Godard, `La Belle Noiseuse', de Rivette, ou `Van Gogh', de Pialat, entre outros", disse o crítico à Folha.
A hipótese de Bellour, que foi ligado à semiologia francesa e veio a São Paulo a convite da USP e do MIS, é que esse retorno à pintura traduz de maneiras diversas uma espécie de angústia que o cinema sente diante de modificações da imagem, em consequência do vídeo e das imagens eletrônicas.
"A imagem do cinema, figurativa, representativa, analógica, de reprodução fotográfica, é ameaçada por uma dissolução e uma transformação consequentes das novas imagens."
"A pintura, que sofreu transformações históricas, passando de uma forma mais representativa à dissolução da figura, até a abstração, poderia servir de réplica para uma aventura semelhante do cinema", diz o autor de "L'Analyse du Film" (éditions Albatros) e criador, ao lado de Serge Daney, da revista "Traffic".
Os filmes que Bellour analisa seriam "sintomas" dessa angústia. "A ameaça diz respeito à possibilidade abstrata que a imagem do cinema seja atacada por processos que modifiquem sua integridade. Isso não quer dizer que não haja uma arte do vídeo positiva."
"Seria um equívoco subestimar a força artística de uma arte do vídeo no futuro, assim como seria uma equívoco achar que o vídeo vai substituir o cinema. As duas coisas não são articuladas."
"É muito difícil prever o que vai acontecer. A partir do momento em que você pode enviar um filme em projeção à distância, sem necessidade de fazer cópias, o que começa a ser possível hoje", diz.
Para o crítico, os desenvolvimentos tecnológicos da imagem de vídeo são ambíguos. "Por um lado a imagem do vídeo, com a alta definição, tende a ser mais clara, mais próxima do cinema. Mas, por outro lado, é uma imagem que pode ser deformada a qualquer, com um simples botão."
"Há uma capacidade de mutação permanente da natureza da imagem. A imagem de síntese, por exemplo, é totalmente construída e pode ser totalmente desconstruída. Essa defiguração, que sempre esteve ligada à história da pintura, é uma ameaça para a imagem cinematográfica."
"O cinema toma essa situação como problema e tem uma espécie de reação teórica ao refletir sobre essa nova condição de possibilidade", diz.
Bellour tem uma explicação para o fato de esses filmes serem majoritariamente produzidos na França. "A `nouvelle vague' abriu um caminho, foi o primeiro cinema do cinema, a primeira consciência crítica em relação ao resto do cinema, assim como os românticos alemães no início do século 19 foram os primeiros a pensar as condições da literatura."
"A partir da `nouvelle vague', a França passou a se sentir encarregada de pensar o cinema. Não é por acaso que todos esses filmes sejam produzidos na França, além de toda uma importante produção teórica sobre essa questão", diz.
Para o crítico, o cinema francês ainda produz obras interessantes, o que justifica a posição protecionista da França no Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).
"O cinema francês vive uma situação muito particular. É o único cinema europeu que resite um pouco à invasão do cinema americano. Por um lado, acho a posição francesa um pouco ridícula, mas por outro lado é compreensível que se tente manter um cinema vivo, mesmo que artificialmente", diz.

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