São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Milhares de dólares e nenhum gol

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Futebol, diz uma velha máxima dos estádios, é bola na rede. Isso é o que interessa. Na semana passada, os dois primeiros jogos da seleção nos EUA –dois amistosos, é verdade– tiveram um total de nove gols do Brasil e três dos adversários. Nenhum deles pôde ser visto pelos leitores nos jornais. Pior do que isso, na quinta-feira "O Estado de S.Paulo" e o "Jornal do Brasil", para ficar em dois exemplos da chamada grande imprensa, circularam sem o resultado da partida Brasil x Honduras. O jogo terminou em 8 x 2 para os brasileiros, um placar por si só digno de aparecer no jornal, qualquer jornal. Mas o horário do jogo, que começou às 22h da quarta-feira (hora de Brasília), acabou por exigir dos jornais uma operação de guerra que nem todos conseguiram vencer.
O leitor não consegue entender, tenho certeza, a lógica perversa de uma imprensa que investe milhares de dólares na cobertura do evento esportivo do ano (pelo menos para os brasileiros), alardeia isso e, na hora H, coloca nas ruas jornais sem a notícia mais importante dele no dia anterior. Ainda que veículos como a Folha estejam indo para a Copa com exemplares da mais moderna tecnologia na bagagem, de forma a garantir uma cobertura mais "quente" para seu público, vão enfrentar problemas para ter um simples flagrante de gol em suas páginas –e é bom que você, leitor, esteja preparado para isso, ou vai se frustrar.
Para começo de conversa, você precisa saber que a Fifa permite a presença de apenas um repórter fotográfico de cada veículo no gramado, durante a partida. Assim, é difícil garantir que ele saia dali com a foto de um gol. Explica a editora de Fotografia da Folha, Ana Estela de Sousa Pinto: para captar os lances da partida, os repórteres fotográficos usam geralmente lentes chamadas 400 milímetros em suas câmeras. Na hora em que acontece um gol, eles deveriam estar numa das extremidades –a certa, de preferência– do gramado, geralmente com câmeras munidas de lentes 80 milímetros. A diferença está em que as primeiras permitem imagens mais aproximadas dos lances, enquanto as outras fornecem uma "panorâmica" ideal para o momento do gol. Com um só fotógrafo em ação, mesmo que ele use duas máquinas diferentes e entenda de futebol a ponto de reconhecer uma jogada que pode terminar no fundo da rede, fazer a foto do gol vai ser, por tudo isso, um lance de sorte.
Nos jogos da primeira fase, que ocorrem nos dias 20 (contra a Rússia), 24 (contra Camarões) e 28 de junho (contra a Suécia), o fuso horário está a favor da imprensa brasileira: as partidas vão acontecer às 17h (hora de Brasília). Mas se o Brasil passar para a segunda fase em primeiro lugar em seu grupo, por exemplo, o primeiro jogo está marcado para as 16h de um sábado, 4 de julho. Como a Folha fecha sua edição de domingo por volta de 14h30 do sábado, eis aí mais um problema para o jornal. Se tentar garantir o horário da edição de domingo, fica sem o jogo. Se quiser ter o jogo, vai chegar mais tarde à casa de todos os leitores –mesmo daqueles que não têm qualquer interesse por futebol, seleção, Copa etc.
Essas equações, difíceis de montar, estão entre as prioridades da Redação para as próximas semanas. Em uma Copa do Mundo, não basta apenas ter em mãos as modernas câmeras digitais que a Folha está estreando, capazes de reduzir o tempo entre o momento da foto e sua chegada na sede do jornal para alguns minutos (o processo tradicional requer mais de uma hora para a mesma operação). Foi graças a uma dessas câmeras que, na edição de quinta-feira, a Folha pôde ter uma foto de Romário, Dunga e Raí abraçados em um estádio de San Diego, na Califórnia, comemorando o primeiro dos oito gols brasileiros sobre Honduras. A foto chegou à sede do jornal às 23h15, quase meia hora antes de uma outra da agência Reuters. Foi, sem dúvida, um avanço para o jornal. Pena que, apesar dele e de uma partida que teve oito gols do Brasil, o leitor tenha ficado sem a imagem da bola na rede.
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E já que o assunto é Copa do Mundo, aproveito para registrar o protesto dos leitores (pelo menos oito comentaram o assunto) que reclamaram da transmissão dos jogos pela TV. Para esconder o nome da Brahma nas placas de publicidade dos estádios, as emissoras acabaram por "cortar" o campo nas laterais e prejudicar quem queria ver as partidas. Se as emissoras têm contratos de patrocínio feitos com concorrentes da Brahma, e se esses concorrentes querem ver a cervejaria fora do vídeo durante a Copa, o problema é das emissoras, da Brahma e dos concorrentes. Não se pode, por conta disso, punir o telespectador –que perdeu lances dos dois jogos do Brasil e foi involuntariamente bombardeado pela chamada "guerra das cervejas".
Os publicitários discutem se é ética ou não a atitude da Brahma, que não comprou cotas de patrocínio nas emissoras de TV mas invadiu os estádios em que acontecem os jogos, e aparece no vídeo mais do que os patrocinadores propriamente ditos. OK, a questão é pertinente –mas nada justifica que, enquanto ela é discutida, a Rede Globo e a Bandeirantes desprezem o telespectador por conta de seus (das emissoras) interesses comerciais e "retalhem" as imagens que ele assiste. Isso, sim, é indesculpável. E anti-ético.
Aos leitores que reclamaram, dei um conselho: já que as emissoras não têm ombudsmen, que eles ligassem para os respectivos departamentos de esporte para protestar. Idem quanto à Brahma, a Antarctica, a Kaiser e seus departamentos de marketing. No limite, sugeri que desligassem a televisão. Não deixa de ser uma forma de protesto contra o abuso de quem acha que o telespectador não vale nada, e só se esquece de uma coisa: no fim das contas, quem é que compra a cerveja anunciada durante os jogos?

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