São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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Duas ameaças ao Real

LUÍS NASSIF

Há dois receios em relação ao Plano Real atormentando círculos próximos ao candidato Fernando Henrique Cardoso, ambos dependendo da decisão de um presidente instável e aloprado.
O primeiro é a questão da isonomia salarial do setor público. Tempos atrás, o general Romildo Canhim encantou a opinião pública com uma candente denúncia dos privilégios de algumas castas do funcionalismo público.
Pensava-se que fosse eliminar os privilégios. Ao contrário, resolveu estendê-los aos desassistidos da sorte –não os contribuintes, bem entendido, mas os funcionários não contemplados.
Está certo que não depende apenas do general a reorganização do serviço público, a demissão dos funcionários ociosos e providências básicas de respeito ao contribuinte –algumas das quais passando pela revisão constitucional. Mas amplia-se a injustiça central, do contribuinte pagar cada vez mais por serviços cada vez piores. E se for adotada de imediato, arrebenta as contas públicas e acendem-se as demandas salariais do setor privado, jogando o plano ladeira abaixo.
O segundo ponto de preocupação é em relação à lei que regulamenta o tabelamento de 12% nos juros. Se aplicada sobre operações de curto prazo, deixará o Banco Central com os dois braços amarrados na entrada do real.
Sensíveis e magnânimos
A coluna é frontalmente contrária à medida provisória do presidente da República que rebaixou indevidamente o valor das mensalidades escolares nas escolas privadas.
Mas o colunista pede desculpas pelo fato de não ter analisado, no artigo de 50 linhas que tratava da questão, a complexa realidade da escola pública e a responsabilidade social do Estado em fornecer ensino gratuito de boa qualidade aos seus cidadãos.
Mesmo assim, roga-se que o pedido de desculpas não seja encarado como defesa da estatização, mas apenas do papel social do Estado. Mesmo porque, nos últimos anos, sem o paternalismo do Estado, o setor privado demonstrou boa capacidade de inovação e de modernização.
Mas, pelo amor de Deus, não se interprete a frase acima como profissão de fé neoliberal. Como se pode falar em modernização do setor privado, com os atuais níveis de dívida social –mesmo que a dívida seja basicamente provocada pela corrupção do Estado e que uma coisa nada tenha a ver com a outra?
De qualquer modo, que não se confunda preocupações sociais com paternalismo anacrônico, já que apenas com o desenvolvimento e modernização do Estado haverá recursos para atacar a miséria. Nem se interprete a crítica contra a corrupção do Estado como defesa do fim do Estado, mas apenas do fim da corrupção do Estado, mesmo!
Os malabarismos que o leitor acabou de ler são uma pequena amostra de como ficaria a coluna, se a cada tema que abordasse tivesse que explicar sua posição em relação a todos os demais temas da economia, para atender a este jogo de torcida organizada em que se transformou o patrulhamento ideológico no país.
Às vezes, a análise jornalística parece cada vez mais a serviço do prazer narcisista de demonstrar como seus autores são pessoas sensíveis, preocupadas e magnânimas, do que em procurar desvendar, com um mínimo de objetividade, ângulos novos de uma realidade complexa.

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