São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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Despotismo palaciano e escolas

PAULO PAN CHACON

Preparem-se senhores: a dupla de Juiz de Fora, tomada pelo mais "cívico" espírito de protetora do povo, traz ao país o velho conhecido despotismo esclarecido.
O presidente da República, após ignorar mais de dois meses de diálogo entre as partes e de análise técnica e imparcial realizada pela equipe econômica, resolveu, inspirado no modelo Collor-Chiarelli de educação, sucatear o ensino privado. Como decorrência, editou a MP 524, uma pérola de incompetência, inconsistência e espírito eleitoreiro.
Incompetente porque ignora a Constituição Federal, que garante a inviolabilidade do ato jurídico perfeito e acabado, como é o caso do contrato de prestação de serviços educacionais assinado entre escolas e pais. Uma MP tem força de lei, ou seja, vale desde que não altere contratos anteriores.
Por sua ignorância e desprezo aos conselhos do Ministério da Fazenda, o presidente responderá perante o Supremo Tribunal Federal por arbitrariedade e desobediência civil –a dele, e não a das escolas particulares.
A MP é também inconsistente porque o ensino privado tornou-se o único setor, num país de inflação mensal acima dos 40%, com um cálculo médio de valores em cruzeiros reais e com a exclusão do repasse do dissídio dos professores. Além da devolução estapafúrdia, não será possível à escola particular pagar nem a folha de julho. Afinal, senhor Hingel, o que o senhor sabe sobre administração escolar numa empresa privada? Rigorosamente, nada.
Finalmente, a MP é eleitoreira porque pretende, de maneira pobre, fazer populismo às custas da escola particular. A lógica é débil: há mais estudantes e pais do que donos de escola votando em outubro.
O presidente não considera que a maioria dos pais ainda que de bolso apertado, sabe que a escola de seus filhos não sobrevive a uma queda de receita de 55% e, por isso mesmo, não vai cair no discurso surrado dos "lucros abusivos".
Mas se o chefe dá o tom, os medíocres logo o seguem. O senhor Hingel, não satisfeito em digitar o que o jovem da UNE lhe ditava, resolveu interpretar a Constituição à sua maneira, atribuindo-se poderes que não tem (Folha, 11/6). Senhor Hingel, a escola particular não é uma concessão do serviço público, mas um direito da iniciativa privada (artigo 209). Claro que temos uma autorização estadual e que temos que seguir as regras do sistema educacional. Mas isto não tem a ver com regras de preços.
Quanto a "cartel", só para o senhor entender, a legislação define como o controle uniforme de preços por poucas empresas. Só em São Paulo, somos mais de 2.000 escolas regulares com mensalidades variando de um para dez, pelo menos. Quanto aos "contratos padronizados", pergunto: o ministro vai também proibir o impresso "contrato de locação" que se compra em qualquer papelaria?
É claro, senhores Itamar e Hingel, que escrevo acossado pelo impacto que sua MP e suas declarações têm sobre minha escola e minha vida. Mas escrevo também movido pela sensação que este despotismo não vai acabar tão cedo.
A lei antitruste, o tabelamento dos juros, o aumento do funcionalismo e outras medidas contrárias ao plano de estabilização, indicam que os senhores o manobram, mas não o compreendem. Cabe, então, a pergunta: por quê, novamente o conflito com os empresários? A quem interessa este populismo? Até quando o fantasma "collorido" vai sobrevoar o Planalto?
Sei que me exponho falando desta maneira. Pode ser até que o senhor me escolha como bode expiatório. Mas prefiro explicar aos meus filhos o que é uma perseguição arbitrária a uma covardia irreversível. Isto porque, daqui a alguns meses, o senhor e o seu ministro voltarão ao anonimato de Juiz de Fora, enquanto as instituições políticas (Presidência da República, por exemplo) e sociais (como as escolas particulares) terão sobrevivido ao seu mandato.

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