São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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Equívocos do combate ao investimento especulativo

ÁLVARO AUGUSTO VIDIGAL

Uma mistura de desinformação e preconceito tem levado muitos políticos e autoridades brasileiras a equívocos monumentais quando o assunto é mercado de capitais e Bolsas de Valores. Na tentativa de classificar a natureza dos investimentos feitos no Brasil, criou-se uma fantasia pela qual há, no país, dinheiro bom e dinheiro mau. Por este raciocínio, o dinheiro bom seria o "capital produtivo" e o dinheiro mau, o "capital especulativo". Um seria a formiga trabalhadora; o outro, a folgada cigarra, sempre a querer tirar vantagem.
Essa estreita visão é decorrência do desconhecimento dos mecanismos e do funcionamento do mercado de capitais. Há gente no mundo que tem mais dinheiro do que precisa para viver. Ou seja: tem poupança. Mas não quer, por projeto de vida, abrir uma empresa. De outro lado, há empresários que precisam de capital para desenvolver seus negócios, dar empregos, produzir mais. Quem faz a intermediação entre um e outro é o mercado de capitais. Sem ele, o excedente de dinheiro nunca se transformaria em postos de trabalho, fábricas, lojas, mercadorias e renda.
Esta troca entre poupança e investimento acontece num mercado chamado primário. Vamos pegar, por exemplo, um poupador que entregou o excedente do seu dinheiro a um empresário para que ele pudesse ampliar sua fábrica. Em troca, o poupador recebeu uma participação no negócio. Ou seja: um papel, um título, que representa certo pedaço da empresa. Se a intermediação acabasse aí, ele estaria condenado a ficar com este título da empresa indefinidamente, mesmo quando não acreditasse mais nela.
Aqui entram as Bolsas de Valores. Elas são o local onde os agentes econômicos trocam suas posições. Nas Bolsas, os ativos e as participações societárias, como as do poupador do exemplo, ganham liquidez e preço. As Bolsas permitem que uma pessoa interessada em se desfazer de um certo título possa vendê-lo a outra interessada em comprá-lo. É o mercado secundário. E é aqui, também, que aparece a figura tão malvista do especulador. Em geral, também por falta de conhecimento, só sua citação causa arrepios, mas na verdade ele exerce um papel preponderante nos negócios realizados em Bolsas. Sem ele, que assume os riscos na compra e venda das ações das empresas negociadas, voltaríamos à imobilidade do poupador do exemplo. O especulador garante a liquidez dos negócios e contribui para a eficiência e transparência na formação dos preços desses papéis. Então, por que o especulador assume estes riscos? Ele tem vantagens nisso? Tem sim. Nessa movimentação ele pode ganhar dinheiro, mas, como trabalha com riscos, também pode perder. Por isso é que não há dinheiro bom ou dinheiro mau, se tudo for feito dentro da lei, se a legislação for respeitada.
Nesse ponto, cabe diferenciar o especulador do manipulador de preços; este sim, nocivo à credibilidade e ao desenvolvimento dos negócios. No mercado de capitais, essa figura é permanentemente combatida. Através de instrumentos de auto-regulação, as próprias Bolsas monitoram o comportamento do mercado, rastreiam e inibem quaisquer práticas de manipulação de preços e negócios.
O mundo disputa, avidamente, quaisquer tipos de capitais. Se somos capazes de atraí-los com regras claras e estáveis, eles podem se tornar investimentos de longo prazo com muitos benefícios para a economia e para o país. Por outro lado, se não há confiança, estes recursos buscam outros refúgios mais seguros. A Bovespa, com a credibilidade que desfruta hoje, representa uma das portas de entrada destes investimentos. Mas não é só. Hoje já exerce outros papéis fundamentais na economia: é a melhor via de valorização das empresas estatais e a melhor alternativa para a desestatização da economia. Sem preconceitos, as Bolsas poderão contribuir muito mais, ajudando a consolidar um novo modelo de democratização do capital para o Brasil.

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