São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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Dengue no governo

Surtos e epidemias de doenças típicas do subdesenvolvimento, como a dengue e o cólera, têm sido tão frequentes no país que se corre o risco de perder de vista a gravidade do problema, reduzindo-o à rotina e à insipidez das estatísticas.
De quando em quando, porém, um acontecimento inusitado chama de novo a atenção da população e das autoridades para o quadro alarmante da saúde pública no Brasil.
Exemplo disso é o que ocorre no Ceará, Estado em que o próprio governador e dois de seus filhos contam-se entre as vítimas da dengue.
Males como a dengue e o cólera não deveriam assustar ninguém se houvesse condições mínimas de saneamento e higiene nas cidades brasileiras. Se a atual epidemia de dengue no Ceará atemoriza é justamente porque inexistem tais condições. Quando o próprio governador do Estado –cuja administração, aliás, gaba-se de ser um modelo de eficiência– é atingido pela enfermidade, o que pode esperar a terça parte da população da capital cearense que mora em favelas?
É evidente que se a dengue chegou ao ponto a que chegou (300 mil infectados só em Fortaleza), isso se deve, em grande parte, a deficiências crônicas de habitação e de saneamento básico. Mas a esses problemas seculares somam-se erros de política sanitária mais recentes e identificáveis.
As autoridades sanitárias do Ceará anunciam agora uma pesada ofensiva antidengue, com ampla participação da comunidade. Mas a Fundação Nacional de Saúde, responsável, ao lado das secretarias de saúde locais, pelo combate à doença, afirma dispor de apenas 400 funcionários qualificados para a tarefa, e admite que a campanha de erradicação do mosquito transmissor da moléstia estava "praticamente desativada" desde 1990.
Diante de dados como esses, culpar a miséria e o atraso econômico "eternos" pelas epidemias seria o mesmo que fugir às responsabilidades políticas e sociais presentes e adiar para um futuro cada vez mais indefinido a perspectiva de uma vida saudável para os brasileiros.

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