São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Veto pela qualidade

JULIO CAPOBIANCO

O dia 8 de junho de 1994 deverá passar para a história do país como a data em que o presidente da República, engenheiro Itamar Franco, reintroduziu, definitivamente, a livre concorrência no setor da construção civil e obras públicas.
Sensível às necessidades da sociedade brasileira, o presidente sancionou a nova Lei de Licitações (Lei de Conversão 10) com 32 vetos, entre eles o de um artigo que impunha aos participantes dos processos licitatórios a exigência de apresentarem atestados técnicos de obras anteriores.
Para quem acompanha as atividades do setor da construção, o veto desse artigo pode ter várias interpretações.
A mais imediata é de que o lobby das grandes empresas desta vez não emplacou, pois se existia alguém com atestados de capacidades técnicas para a realização de qualquer tipo de obra, certamente seriam eles.
Mas, pode ter ocorrido o contrário: finalmente emplacou o lobby das pequenas e médias empresas, que a partir de agora terão acesso livre à participação em certames licitatórios, sem que se exija da empresa qualquer experiência em obras semelhantes.
Esta visão de que sempre existe um interesse corporativo por trás dos atos governamentais, porém, nos parece uma interpretação apressada e menor do significado da promulgação final da nova lei de licitações, pelo menos no que se refere ao que está ocorrendo hoje no setor da construção civil brasileira.
Nossa sensibilidade aponta em outra direção. O ato do presidente em sancionar a nova lei com tantos e tais vetos denota simplesmente que se reconhece oficialmente a necessidade da construção civil, notadamente o setor de obras públicas, atingir um novo estágio em suas realizações.
É como se toda a sociedade brasileira pegasse a mão do presidente para afirmar categoricamente que não admitirá mais, processos licitatórios que beneficiem, por qualquer que seja o motivo, esta ou aquela empresa, este ou aquele empresário.
Acabaram as reservas de mercado, os mercados cativos. As empresas que tiverem competência gerencial e souberem juntar capacidades técnicas adequadas para a realização das obras vão competir em igualdade de condições com aquelas que tradicionalmente detinham o mercado pelo maior volume de obras que realizavam.
Isso quer dizer que se abre um enorme caminho para que novas capacidades técnicas sejam formadas, novas competências profissionais desenvolvidas e novas tecnologias incorporadas aos processos de produção de obras no país. A abertura das licitações favorece a busca pela competitividade setorial, que certamente estimulará empresas, empresários e profissionais a melhorarem seus desempenhos práticos.
A nova lei, portanto, funciona como uma alavanca para a melhoria da qualidade das produções setoriais. O "menor preço" não significa necessariamente, nesse contexto, menor qualidade, principalmente para uma sociedade que começa fazer valer o direito de expressão dos cidadãos como consumidores, graças à consolidação do Código de Defesa do Consumidor, cada vez mais utilizado por todos, inclusive para questionar empresas de construção civil e até atos de governo.
Enquanto a antiga legislação cristalizava conhecimentos e oportunidades sempre nas mesmas mãos, agravando o grau de dependência do Estado junto a algumas poucas empresas, a nova Lei de Licitações promove aqueles que desejam melhorar não só seus próprios resultados, mas o aproveitamento dos recursos públicos alocados nas obras que são realizadas.
Essa é a grande lição que pode ser retirada desse longo processo de mudança da Lei de Licitações, desde que ela se apresentou por medida provisória há cerca de um ano. A modernidade das relações entre governos e iniciativa privada não é feita de discursos e de afagos mútuos, mas da definição, esta sim moderna, de mecanismos claros que incentivem a competitividade.
Se há possibilidade de alcançar o mesmo desempenho com menores custos, esteja onde estiver esta alternativa, ela tem que ser buscada pelas empresas que desejam ser competitivas. Esta é a verdadeira competência empresarial da construção civil que deve ser perseguida.
A qualidade final das obras públicas não é resultado automático da tradição. Tampouco da experiência acomodada pela reserva de mercado em cada segmento. A qualidade das obras públicas vai ser alcançada pela contratação de competências, dentro de critérios absolutamente justos e transparentes.
Cabe à sociedade continuar atenta para que estas competências sejam colocadas à disposição de obras verdadeiramente necessárias, definidas por um poder político sensível aos grandes déficits estruturais deixados pelo "modus operandi" anterior. Ou seja, a nova Lei de Licitações precisa ser complementada por um poder público responsável, no sentido de dar o melhor aproveitamento possível aos recursos destinados às obras de governo.

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