São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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'Só estamos aqui porque tenho a cabeça no lugar'

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Folha - Você está rico?
Parreira - Não. No Oriente Médio trabalhei em três seleções, durante 15 anos. Isso me deu independência financeira para suportar as pressões. Não fico preocupado se vou perder o emprego ou não. Faço aquilo que eu quero.
Folha - Você poderia escalar uma seleção brasileira de todos os tempos, com jogadores que você viu jogar?
Parreira - Para mim o goleiro é o Gilmar Santos Neves. Na lateral direita, o Djalma Santos e o Carlos Alberto. O quarto zagueiro, Orlando. Beque central, o Bellini, o Mauro, o Brito. Não vou incluir nunguém da seleção atual.
Folha - Por que ninguém dela tem esse mérito?
Parreira - O Jorginho está no nível desses grandes jogadores. Os zagueiros também, Ricardo Gomes, que foi cortado, Ricardo Rocha, todos os que estão aí. Lateral esquerdo da seleção dos que vi jogar: Nilton Santos. No meio-campo começa a inflação: Didi, Gérson, Rivelino, Sócrates, Falcão.
Folha - Você não citou nenhum meia defensivo, só jogador criativo.
Parreira - Exatamente. Não quero armar o time porque teria que usar um padrão, um conceito. É difícil. Na frente, Garrincha e Pelé.
Folha - Zico você não botou.
Parreira - Zico fiquei na dúvida entre meio-de-campo e ataque. Zico entra com certeza. Zico e Tostão.
Folha - Ganhando ou perdendo, você vai sair da seleção com alguma mágoa pessoal?
Parreira - Nenhuma. A gente tem que ser superior a isso tudo. O cara que fez uma injustiça, criou algum problema, vai pagar ali na esquina, vai tropeçar numa pedra, bater com a cabeça, entende? Não há rancor nem mágoa. A gratificação pessoal é que depois da tempestade consegui a classificação do Brasil como quis, do jeito que quis, com quem eu quis, sem aceitar imposição de fora para dentro. É uma vitória pessoal sem preço.
Folha - O futebol mexe com a emoção. Quando o Brasil se classificou contra o Uruguai você manteve a seriedade no túnel e foi direto para o vestiário. O futebol não o faz chorar?
Parreira - Só nas alegrias, não nas tristezas. A gente tem que crescer nessas horas. De alegria já chorei muito, graças a Deus. Que me lembre, a última vez foi quando o Fluminense foi campeão em 84, com o Maracanã gritando meu nome.
Folha - Você tem 51 anos e quase não tem cabelos brancos. Você pinta o cabelo?
Parreira - Não. Não sei se é genético, hereditário, nunca me preocupei com isso. Se tivesse tido cabelos brancos há dez anos, não pintaria.
Folha - Você está lendo alguma coisa aqui?
Parreira - Trouxe para ler mas não consigo. Meu poder de concentração foi embora. Minha cabeça está no futebol, só na Copa.
Folha - Você tem medo?
Parreira - O cara que diz que não tem medo está mentindo.
Folha - Qual é o seu medo nesa Copa?
Parreira - O que fazem com o técnico da seleção brasileira é desumano, como se ele fosse um misto de super-homem e Robocop. O técnico é um ser humano.
Folha - E o medo?
Parreira - Quando o time entra em campo o técnico tem a expectativa de um casal que espera um filho nascer. Não sabe se o filho vai nascer sadio, se vai nascer perfeito, com saúde, bonito, feio. No campo a gente sabe que o time pode jogar bem. Temos quase certeza, convicção. Mas é aquela expectativa de pai.
Folha - Na sua vida profissional você é cercado de homens. Em casa, tem mulher, duas filhas e sua mãe é muito presente na sua vida. Você entende mais do universo dos homens ou das mulheres?
Parreira - É muito bom ter esse ambiente em casa. Ninguém fala de futebol. Só estou presente no lar à noite, nos fins-de-semana.
Folha - O que você tem dito para elas no telefone.
Parreira - Só temos conversado aos domingos. Você se surpreende com as pessoas. Outro dia, a Daniele, a menor, escreveu para um programa de TV porque ficou escandalizada com as críticas de baixo nível contra mim. Todo mundo se engraçando a falar de futebol. Você já viu técnico de futebol ir para palanque, falar de política? Já viu discutir economia na televisão? No futebol todo mundo desce de pára-quedas. Ela escreveu uma carta linda.
Folha - Mas de futebol todo mundo fala no Brasil, é natural.
Parreira - Desculpe, mas no jornal de vocês tem uns caras que eu nem sei quem são, dos Titãs. Nunca ouvi um disco deles. Vocês abrem espaço, isso tem espaço na imprensa.
Folha - O que tem de ser feito para o treinador de futebol ser mais respeitado?
Parreira - Primeiro, cercear esse pessoal que não tem nada a ver com futebol.
Folha - Você já teve vontade de dar uma paulada em alguém?
Parreira - Já tive, mas acho que não valia a pena. Não vou falar quem era. Fiquei irritado, mas superei tudo. Brigava quando era garoto. Depois de adulto, não. Nunca houve necessidade.
Folha - Quem tem de dar criatividade à seleção?
Parreira - O pessoal que tem que dar qualidade é o Raí, que espero que volte a jogar como jogava no São Paulo. O Zinho arma, mas chega bem no fundo. Os dois laterais, que são altamente ofensivos e os dois da frente, Bebeto e Romário, que podem desequilibrar uma Copa.
Folha - Até quando você vai esperar o Raí voltar a jogar como em 1992?
Parreira - Não há limite. Eu tinha que dar a oportunidade para ele mostrar que está recuperado. Ele se preparou bem para a Copa. Não perde um treino. Eu tinha que dar o direito de ele começar a Copa. Se vai ficar ou não vai depender dele.
Folha - Você acha que o Brasil vai ser campeão?
Parreira - Em futebol é difícil dizer isso. O Brasil tem todas as chances. É uma competição difícil. Se fosse um campeonato com oito jogos para todo mundo eu diria com a maior convicção que o Brasil seria o campeão. Como nos últimos quatro jogos você pode ser eliminado por um acidente, é difícil para burro. Em 90, na melhor partida o Brasil saiu da Copa.
Folha - Você reza?
Parreira - Pouco, mas nunca pedi para ganhar jogo, para ser campeão do mundo.
Folha - É certo ou errado dizer que você tem a habilidade de dar a impressão ao coordenador Mário Lobo Zagalo de que ele o influencia?
Parreira - (risos) O meu relacionamento com Zagalo é muito bom. Nesse três anos tentaram bombardear e não conseguiram. Ele está aí para colaborar comigo, não quer ser técnico da seleção.
Folha - Raí sempre foi seu preferido para ser capitão?
Parreira - Não. Vou fazer uma revelação. Eu havia escolhido Ricardo Gomes, que foi cortado na terça-feira, mas ele me pediu para não ser capitão. Ele disse que sempre que era capitão o time perdia.
Folha - Qual é a primeira coisa que você vai fazer quando a Copa acabar para o Brasil?
Parreira - Vou para o hotel. Vou ligar para a minha mulher. Vou para casa. "Me espera em casa", vou dizer.
Folha - Se perder, você vai fazer como o Lazaroni, que fugiu por uma saída lateral do aeroporto?
Parreira - Não passa pela minha cabeça o que vou fazer. Não pretendo fugir às minhas responsabilidades, até onde a integridade física seja ameaçada.
Folha - Você está convencido de que vai voltar para o Rio para desfilar em carro dos bombeiros?
Parreira - A gente tem que pensar positivamente. É de momento.
Folha - Mas não vai ter dificuldade para se equilibrar no carro dos bombeiros?
Parreira - Isso não. Estou preparado para isso.

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