São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
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Ódio russo ameaça com 'naziczaristas'

JAIME SPITZCOVSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ódio russo ameaça com "naziczaristas"
Divididos pela lealdade ao nazismo ou ao czarismo, a extrema direita russa se une no ódio contra "raças inferiores" e na glorificação do anti-semitismo. O colapso da União Soviética abriu caminho para o reaquecimento de tradições seculares de intolerância e a crise econômica permitiu a chegada de uma nova estrela política: o neofascista Vladimir Jirinovski.
A extrema direita, genericamente chamada de "naziczarista", conquista espaço na Rússia, o berço de uma revolução que, a partir de 1917, prometia liquidar o nacionalismo e a intolerância racial. Nas eleições parlamentares de dezembro passado, o Partido Liberal Democrático de Jirinovski abocanhou 23,5% dos votos, sinal de que a retórica nacionalista se alimenta da atual crise econômica.
Nos tempos do regime soviético, as idéias da extrema direita russa pareciam estar condenadas à geladeira da história. Mas sua ideologia, apesar de proibida, continuava a contaminar alguns dirigentes comunistas, principalmente através da intolerância racial. Minorias como os tchetchenos, muçulmanos que vivem no Cáucaso, e os judeus sofreram, por exemplo, nas mãos de Josef Stalin, que reinou na URSS entre 1924 e 1953.
A fragmentação da URSS em 15 países no final de 1991 coincidiu com a transição ao capitalismo e uma aguda crise social. Para os nacionalistas russos, Moscou deixou de ser a capital de uma superpotência e transformou-se na capital de um país governado desde "Washington e Tel Aviv".
O trauma da morte de 20 milhões de soviéticos na guerra contra a Alemanha nazista não impediu que hoje as viúvas de Adolf Hitler se organizassem em solo russo. Eles criaram a Unidade Nacional Russa, formada por 1.500 homens com treinamento paramilitar. Na braçadeira, uma suástica estilizada e na mão, exemplares do jornal "A Ordem Russa".
Em outubro do ano passado, o Parlamento dominado pela oposição rebelou-se contra o presidente Boris Ieltsin. Naquele momento, a missão de proteger os deputados, comunistas ou nacionalistas, coube aos militantes da Unidade Nacional Russa. Eles participaram dos enfrentamentos com o Exército e o governo baniu o movimento. Os seguidores de Barkashov figuram entre os principais suspeitos de recentes atentados anti-semitas. No dia 11 de abril, o cemitério judaico de São Petersburgo amanheceu com túmulos destruídos. No ano passado, uma sinagoga de Moscou foi apedrejada.
Mas os admiradores de Hitler não são os únicos donos da bandeira da "pureza racial". Disputam espaço com os seguidores do Pamiat (Memória, em russo), organização debruçada sobre os valores tradicionais da Igreja Ortodoxa russa e do czarismo, o regime imperial russo.
Líder do Pamiat, o monarquista Dimitri Vassiliev, ao contrário do nazista Barkashov, não prega a expulsão ou o extermínio das cerca de cem minorias que compõem o mosaico étnico russo. Para ele, deve prevalecer a "supremacia russa" nos moldes do império de Nicolau 2º, o último czar, derrubado pela Revolução de 1917.
Os integrantes do Pamiat vestem as fardas do exército czarista e carregam estandartes com motivos religiosos. Nos anos 80, o grupo chegou a espalhar boatos sobre "pogroms" (massacres) contra judeus, mas a ameaça não se confirmou. Barkashov e seus militantes nazistas abandonaram a organização de Vassiliev, que classificam como muito "moderada".
Os delírios radicais dos seguidores de Barkashov enchem as páginas do "A Ordem Russa". Uma delas: a invasão nazista na URSS, em 1941, foi uma "provocação sionista", ou seja, uma manobra de grupos judeus que levaram Hitler a atacar "um povo irmão".
Algumas pichações sujam as paredes de Moscou. Inscrições como "Fora tchetchenos" e "Jid" (termo pejorativo em russo para judeu) surgiram como sintomas da intolerância num país que, no período soviético, chegou a prometer o fim do racismo.

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