São Paulo, sábado, 25 de junho de 1994
Texto Anterior | Índice

Como na África

Uma pesquisa da Pastoral da Criança concluía, na semana passada, que houve de um ano para cá um preocupante crescimento dos índices de mortalidade infantil no Nordeste. Levantamento preliminar realizado na região pelo Ministério da Saúde mostra agora que a situação é ainda pior do que se imaginava, a ponto de o próprio ministro da pasta, Henrique Santillo, declarar-se "estupefato e em pânico".
Os números ainda não são conclusivos, pois o levantamento ministerial limitou-se a 268 municípios do interior de seis Estados nordestinos, mas são suficientes para colocar a região no mesmo patamar dos países mais pobres da África e da Ásia, no que diz respeito à mortalidade infantil. No interior de Alagoas, por exemplo, de cada mil crianças que nascem, 174 morrem antes de completar um ano de vida –índice que só é pior em Níger (191 por mil, segundo o Unicef). O Rio Grande do Norte tem mortalidade infantil comparável à do Benin –e superior à do Paquistão.
Mais grave ainda que os índices em si, entretanto, é o crescimento assustador que sofreram nos últimos 12 meses: 74% no Rio Grande do Norte, 56% na Paraíba, 54% no Ceará, 45% em Alagoas. Tal crescimento é que justifica o pânico do ministro, pois, ainda que possa ser creditado em parte a razões conjunturais, como a última seca, contraria uma tendência mundial de queda da mortalidade infantil. Com efeito, o avanço tecnológico, a melhoria das condições de higiene e saúde e a elevação do nível de informação da sociedade têm contribuído, em escala planetária, para aumentar a chance de vida das crianças.
No Brasil, contudo, o próprio ministro da Saúde declara que, "pela quase absoluta falta de recursos", os postos de saúde carecem de itens elementares como soro reidratante, penicilina e sulfa. Infelizmente o ministro deixou de se referir ao mau uso que se faz dos poucos recursos existentes.
Um país que se vangloria de aproximar-se do Primeiro Mundo em tantos outros indicadores não pode permitir que, num requisito assim fundamental, sua situação esteja tão distante do mínimo que se exige de um país civilizado.
A rigor, enquanto a perspectiva de sobrevivência das crianças brasileiras for tão desumanamente baixa, todos os outros números serão mera cortina de fumaça a esconder a verdadeira face miserável do país.

Texto Anterior: Vai ajudar?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.