São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Betinho lança luta por empregos

DA REPORTAGEM LOCAL

O coordenador da Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria, sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou, em debate na Folha no dia 27 de maio, as bases para a atividade daquele movimento durante a campanha eleitoral.
Segundo ele, as candidaturas já definiram a questão do emprego como a prioridade eleitoral. Falta agora exercer uma cobrança supra-partidária sobre os candidatos e exigir propostas factíveis a curto, médio e longo prazos. A seguir, os principais trechos da intervenção de Betinho no debate:
A campanha contra a fome, por consequência natural do seu desenvolvimento, ela se coloca agora o problema do emprego.
Quando começamos com a questão da fome havia dúvidas sobre se dar comida era a solução, se a solidariedade sob essa forma era a melhor resposta.
A campanha nunca teve como forma exclusiva a doação de alimentos. Nós diziamos, muito bem, se acha que comida não é solução então diga qual é a solução.
Vários comitês não só disseram como começaram outras atividades no campo da educação, informação e questão agrária.
Mas é inquestionável que dar um quilo de alimento é um gesto concreto. Com isso as pessoas estavam gerando um movimento amplo, que tinha repercussão na sua própria prática e que movia outras pessoas a se somarem.
Isso nos surpreendeu. O movimento era muito maior do que imaginávamos.
Esse próprio movimento nos colocou diante de questões mais profundas, como a do emprego. E já começamos a recolher os primeiros resultados dos comitês. Eles começaram a inventar modos de produzir emprego.
Não estou falando de empregos formais, de empregos industriais, estou falando de trabalho, onde as pessoas tenham uma atividade e remuneração.
Um desses comitês descobriu inclusive um modo de transformar dinheiro em salário, salário mínimo, e gerar, numa cidade de Minas Gerais, 150 empregos com esse mecanismo.
Essa ação então deu resposta à indagação: será que os comitês têm formas próprias de gerar ocupação ou tudo isso tem que depender de outros atores?
Começamos a nos confrontar com o desafio de gerar emprego numa sociedade que está pensada -a sociedade moderna- dentro de um padrão de gerar desemprego.
Hoje, um empresário moderno, diz com orgulho:
Vou fazer uma fábrica de tantos milhões de dólares, vai produzir tanto, o nível de modernidade dela é tanto e praticamente não vai ter gente trabalhando, ela é totalmente automatizada, é robotizada e isso é que é o moderno.
Quando o moderno vira desemprego é preciso que a gente pare para pensar.
Quando significa excluir as pessoas dos processos sociais concretos, que até agora se fizeram através do trabalho, criando um mundo de produção infinita e consumo absolutamente impossível, dado que as pessoas deixam de ter renda, quando não têm trabalho, então nós caminhamos para uma espécie de divórcio, de esquizofrenia social altamente perigoso.
A Europa já percebeu isso, os Estados Unidos perceberam e nós estamos percebendo.
Com que ficamos? Com a alta tecnologia que desemprega, a adaptação de tecnologia ou a combinação de tecnologias que geram novos empregos?
Ou vamos caminhar para uma sociedade em que não mais se vai buscar geração de empregos, mas distribuição da renda por mecanismos sociais, como por exemplo a criação de bolsas? Seriam bolsas de cidadania, pagas a pessoas desempregadas, que não seriam produtoras, mas consumidoras.
O projeto da renda mínima vai nessa direção, assim como vários programas que a Europa tem. A pessoa desempregada tem garantida durante um tempo a sua renda.
Essa não é ainda a situação do Brasil. Temos um seguro desemprego, que atinge uma população pequena de forma muito precária.
A etapa emprego vai exigir muito mais da nossa criatividade, da nossa ação do que a primeira.
Na primeira etapa, a gente não conseguiu matar a fome de todo mundo, conseguimos identificar o problema, criar a consciência.
Agora, como matar a fome de forma definitiva? Só através do desenvolvimento, mais empregos.
Era nossa intenção colocar na disputa eleitoral o problema do emprego. A opinião pública respondeu primeiro. Nos últimos 2O dias, nós pudemos escutar dos principais candidatos que sua prioridade era o emprego.
A tarefa seguinte é dar conteúdo e carne a esse discurso, ou seja, saber de todos os candidatos quais as iniciativas que propõem.
Queremos que esse debate seja feito com alguns critérios. O primeiro deles é que sejam propostas realizáveis no curto, médio e longo prazos.
Não ficaremos satisfeitos em ver um candidato dizendo: vamos fazer todas as reformas necessárias e no ano 2010 mais ou menos as pessoas vão ter seus problemas resolvidos.
Também não achamos que se deva pensar somente no emergencial. Portanto, é importante que a resposta contemple uma dimensão de tempo diferenciada.
A segunda questão é que sejam propostas realizáveis, que sejam propostas que tenham um pé na realidade.
Finalmente é fundamental que o candidato seja capaz de mostrar à opinião pública qual a coerência da sua biografia com as propostas que está apresentando.
Essas idéias significam uma participação da Ação da Cidadania no processo eleitoral, mas desta forma específica:
Não subir no palanque, não partidarizando, trazendo a questão emprego para o centro do debate, de forma supra-partidária, não-personalizada, mas concreta.

Texto Anterior: Propostas pouco afetam pobreza real
Próximo Texto: OS CANDIDATOS E A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.