São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994 |
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Propostas pouco afetam pobreza real
MARCELO LEITE
O potiguar Geraldo Inácio Dias, 32, seu marido, só volta de madrugada. Ex-inspetor de segurança, está desempregado desde 1991. Faz dupla jornada como motorista, sem carteira assinada, e recebe o equivalente a US$ 25 toda sexta (cerca de 1,5 salário mínimo). Cássio José, 4, Karina, 6, Katiane, 8, e Kátia, 10, já sabem: sábado é dia de mistura (carne). Durante a semana, só arroz com feijão. Nesta sexta, os restos requentados do almoço, porque o gás não dá para cozinhar feijão novo. A família Dias está longe –não muito– daquela miséria abjeta que resulta em fotos sensacionais. Mas tem presença assegurada entre os 9 milhões de famílias oficialmente indigentes do Brasil. É mais um número que faz do Brasil o campeão mundial da desigualdade. Outro, saído do forno do Banco Mundial há uma semana: a pior concentração de renda do planeta, ajustada segundo o poder de compra da moeda local. É o único dos 132 países analisados em que os 10% mais ricos detêm mais da metade da renda (51,3%). Vice-campeão é o neoliberalíssimo Chile (48,9%). O problema dos Dias é que nem mesmo o sucesso do Plano Real, que derrube a inflação para patamares chilenos (1,4% em maio), melhorará sua situação. O trunfo do PSDB na campanha presidencial lhes permitirá quando muito mudar o dia da mistura de sábado para terça, ou quarta, já que a corrosão da moeda será mais lenta. Ser presenteado com um dos 8 milhões de empregos prometidos pelo PT não melhoraria também, necessariamente, a renda da família. Mesmo um programa de complementação de renda, nos planos da maioria dos partidos, teria dificuldade em localizar os seis entre 32 milhões de miseráveis. A razão é simples: desempregado, Geraldo Dias não tem como comprovar sua renda. Seus registros junto ao Estado são de débito, não de crédito: as contas de luz e água que atrasou. "Tem hora que dá revolta na gente de viver no mundo", desabafa Maria da Paz. Ela já propôs voltarem para o Nordeste, mas o marido é contra. Diz que trabalhar lá, na terra dos outros, é pior do que fazer bicos em São Paulo. Sem conhecer estatísticas, Geraldo está certo. Sua escolha os mantém na região que seria o 42º país do mundo em qualidade de vida, segundo a ONU. No Nordeste, cairiam para a 111ª colocação. Um lugar onde as pessoas morrem 17 anos antes e ganham 40% menos. Texto Anterior: Aumento do mínimo tem efeito duvidoso Próximo Texto: Betinho lança luta por empregos Índice |
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