São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Plano Real é promessa de estabilidade

EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se isso será cumprido na prática, só o tempo dirá. Mas, para que a promessa possa ser efetivamente cumprida, é fundamental que se acredite que o governo irá de fato cumprí-la.
O que significa fazer uma promessa? Da jura de amor ao juramento hipocrático, prometer alguma coisa é assumir um compromisso de comportamento futuro. Ao fazer uma promessa, eu anuncio meu empenho e favoreço uma certa expectativa acerca dos meus próximos passos.
Mas o próprio fato de que uma promessa precisou ser feita sugere que pairam dúvidas sobre o seu cumprimento. Afinal, ninguém promete à toa.
A grande questão é: o que torna uma promessa crível? Como avaliar o grau de confiabilidade da palavra empenhada ou do plano anunciado? Obviamente, não há resposta simples. Trata-se de um julgamento eminentemente falível e os fatores em jogo são, em cada caso concreto, os mais diversos.
Boas intenções à parte, as variáveis relevantes são basicamente três: a natureza da promessa, os atributos de quem promete e as características da situação enfrentada.
Se a promessa é inexequível ou está fora do alcance de quem a faz, ela se desmente por si mesma. Querer não é poder.
A autoridade monetária pode prometer e cumprir metas absolutamente rígidas de expansão da moeda, mas não tem poder para garantir que o nível de preços permanecerá estável no período. A promessa de inflação zero extrapola o domínio daquilo que a autoridade monetária pode se comprometer a fazer.
Entre os atributos de quem promete, a reputação é essencial. Vale aqui o raciocínio indutivo. A pessoa ou instituição que no passado cumpriu sua palavra e os compromissos assumidos tem crédito na praça.
Uma boa reputação é um ativo e uma bússola. Ela fornece aos demais uma dose maior de segurança e previsibilidade sobre a conduta futura de quem a possui. A má reputação, ao contrário, é um passivo –uma bússola apontando na direção contrária.
As características da situação também podem ter um papel relevante. Existem técnicas para reforçar o nosso grau de adesão aos compromissos assumidos. Atando-se ao mastro do navio, Ulisses alterou a sua situação de forma a não sucumbir ao canto das sereias.
Johnny Hodges, saxofonista de Duke Ellington, fez algo parecido. Como ele sempre gastava impulsivamente todo o dinheiro que lhe caia nas mãos, acertou para que lhe pagassem os cachês em cotas diárias.
A simples descrição das variáveis que fazem um compromisso assumido ser mais ou menos digno de crédito ajuda a compreender a enorme dificuldade do governo em dar maior credibilidade ao Plano Real.
Quando a equipe do ministro Ricupero anuncia o início de um "novo regime monetário", a partir de 1º de julho, até que ponto temos razões e garantias para crer que a promessa será cumprida?
Torcer, é claro, eu também torço. A Copa e o plano estão aí para isso. Mas com base no que acreditar que, com o advento do real, "passaremos de uma situação na qual o Banco Central tem poder discricionário de emitir qualquer montante de moeda para um regime em que o governo se autolimitará e não vai emitir um centavo a mas do que for definido?"
A promessa é, em tese, exequível e pertence ao domínio do que o BC pode se comprometer a fazer. O raciocínio indutivo, contudo, não ajuda.
Fora as eleições, a falta de atributos institucionais do BC para resistir às pressões expansionistas que naturalmente virão –Tesouro, Itamar e bancos estatais– é preocupante. A julgar pelo seu desempenho no passado, a bússola da reputação não é exatamente auspiciosa.
No caso do ingresso de recursos externos –outra fonte potencial de pressão sobre a emissão monetária–, a dúvida é operacional. Controlar os movimentos de entrada e saída de capitais no mundo contemporâneo é missão quase impossível.
A experiência latino-americana de "fuga de capitais", não obstante todas as tentativas de controle, é sintomática. A proposta de elevação do IOF, por exemplo, limita-se, ao ingresso de capital de curto prazo ou inclui também os investimentos diretos e em Bolsas de Valores?
Nossa última experiência com "regras rígidas" de expansão monetária ocorreu no início do governo Collor. Congelados os ativos financeiros e completado o processo de remonetização, o BC definiu como meta para o 2º semestre de 1990 um aumento de 9,1% na quantidade de moeda (M1).
Como comentou na época um analista estrangeiro entrevistado pela "Economist": "Pela primeira vez um governo brasileiro tranformou a política monetária num tema central de sua estratégia macroeconômica".
Primeira vez não era, mas também não foi a última. O fato é que, apesar da meta imposta e alardeada pelo governo, a expansão monetária efetiva entre julho e dezembro de 90 foi de 116,3%, ou seja, 12,8 vezes maior do que a programada em maio pelo próprio BC.
Como em outras ocasiões, prevaleceu o padrão de conduta retratado pelo filósofo francês La Rochefoucauld: "Nós prometemos com base em nossas esperanças, mas agimos conforme nossos temores".
Isso não significa, é claro, que o Plano Real esteja fadado a seguir pelo mesmo caminho. O futuro do real não está selado, até porque os termos do compromisso que o governo pretende assumir na gestão da nova moeda não foram detalhados.
O que a experiência mostra, contudo, é que a capacidade do BC de executar e cumprir metas rígidas, compatibilizando as pressões que desaguam no leito da política monetária, é severamente limitada.
O único remédio, nessas circunstâncias, seria o governo alterar de algum modo a situação que enfrenta, adotando regras restritivas que, uma vez implantadas, não mais dependessem de sua vontade e garantissem o seu comprometimento inabalável com a promessa feita.
Garantias desse tipo –baseadas na estratégia de Ulisses contra as sereias– teriam enorme eficácia e poder de convencimento, inclusive junto ao presidente e o resto do setor público.
O anúncio prévio de metas trimestrais para a emissão do real é simplesmente muito pouco perto do tamanho do passivo de credibilidade do governo.

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