São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Romário quer ganhar Copa para entrar na história

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Romário quer ganhar a Copa para entrar na história

Folha - Como repercutiu esse episódio?
Romário - Não fui ajudado por traficantes. Sou contra as drogas. Mas, por outro lado, acho que cada um tem a sua cabeça pra ir no seu caminho. O cara é meu amigo. Se ele é traficante ou drogado, eu vou continuar falando com ele. Só não vai na minha casa. Mas respeito todo mundo.
Folha - E seus pais?
Romário - Continuam pessoas humildes. Se você for na minha casa, eles vão te oferecer café num copo de geléia. Não tem esse negócio de xícara, não. A gente é assim, minha família é assim. Uma vez, levei alguns jogadores da Holanda para almoçar lá em casa. Eu disse: "Mãe, bota uma comida legal aí". Ela botou. Mas tudo na panela, os pratos empilhados, talher ali, quem quisesse que fosse se servindo. "Ou então vão comer no restaurante." E eles gostaram, se sentiram em casa. E tem que gostar! Se não gostar, não volta mais, não.
Folha - Qual o melhor atacante que você viu jogar?
Romário - Meu ídolo foi Roberto Dinamite. Grande jogador. Do nível dele, o Reinaldo.
Folha - Você vai votar no Roberto para deputado estadual?
Romário - Já votei nele e votaria de novo.
Folha - Roberto para deputado e Lula para presidente?
Romário - Eu tenho uma grande simpatia pelo Lula, mas votar é outra coisa. O voto para presidente é secreto.
Folha - Qual o marcador mais difícil que você já teve?
Romário - Foi aquele russo (Ternavski). É o maior defensor que já enfrentei. Incrível! O cara defende na técnica, na bola, não dá um pontapé. Tive a felicidade de, nos três jogos contra ele, marcar gol, mas que é difícil, é.
Folha - Você não acha que isso a que chamam de "futebol moderno", de atacante ter que voltar para marcar, não está limitando a criatividade do craque?
Romário - Está nivelando. E nivelando por baixo. Os jogos que eu vi até agora foram tecnicamente ridículos. Uma pena, pois eu esperava um nível melhor.
Folha - Que jogador o impressinou até agora?
Romário - Bergkamp, Baggio, Asprilla, esses caras me decepcionaram na estréia. Meu amigo Stoichkov também não jogou bem. Eu esperava mais de todos eles.
Folha - Jogar na praia ajuda a apurar a técnica?
Romário - Claro, a praia é importante. Meu domínio de bola, essa minha velocidade em dez metros de campo, eu aprendi tudo jogando na praia. É verdade que eu comecei jogando pelada de rua, mas sempre fui à praia.
Folha - Até que ponto amizade entre jogadores é importante?
Romário - É muito importante, mas futebol é jogado dentro das quatro linhas. Muita gente diz que a gente perdeu a Copa do Mundo passada "fora do campo". Nada disso. Perdeu dentro, pô. Foi Argentina 1 a 0, como é que perdeu fora do campo?
Folha - Quem são seus melhores amigos nesta seleção?
Romário - Me identifico mais com Dunga, Ricardo Rocha, Mazinho e Branco. Mas o fato de estar mais ligado a eles do que a Mauro Silva ou Cafu, por exemplo, não quer dizer que, na hora do jogo, eu não vou dar a vida pelo Mauro Silva. Temos que pensar sempre na coletividade.
Folha - Dunga, amigo e companheiro de quarto, é também um grande jogador?
Romário Grande. Dos mais importantes dessa seleção. Veja o jogo com a Rússia. Raí, que não vinha bem, melhorou um pouco, mas não chegou a render como homem que serve ao ataque. Quem rendeu foi o Dunga. A bola só chegava na gente pelos pés do Dunga. Não sei porque essa implicância. Na verdade, é o jogador mais importante que a gente tem.
Folha - E o seu futuro no futebol? Em que depende da Copa?
Romário - Sempre tivemos grandes jogadores no Brasil, Zico, Falcão, Sócrates. Mas nunca vão ser incluídos na elite mundial dos grandes craques. Nunca serão considerados fenômenos do futebol. Sabe por quê? Porque não ganharam uma Copa do Mundo. E mais nada. Tinham categoria, sabiam tudo de bola, mas não ganharam a Copa do Mundo. Quem são os que ficaram? Pelé, Maradona e Beckenbauer. São considerados fenômenos porque ganharam a Copa. Comigo pode acontecer igual. Ou vou ser um grande jogador que, perdendo a Copa, será esquecido, ou sairei daqui campeão e virarei um fenômeno.
Folha - Você acha que esta é a sua última Copa?
Romário - Tenho quase certeza que sim. Quero parar daqui a três anos. Espero começar nova vida mexendo com crianças pobres. Quero abrir um centro de formação de atletas meninos, um trabalho desse tipo. O grande problema do Brasil é este: a infância desamparada. Infelizmente, sou apenas um, não posso fazer muita coisa. Dou esmola como qualquer um dá, mas e daí? Não é isso que tem que ser feito. Acho que o presidente que entrar agora tem que pensar primeiro na criança. Ano passado, oito morreram na Candelária. Uma covardia.
Folha - Quando Pelé marcou seu milésimo gol, dedicou-o às crianças do Brasil. Você pretende fazer o mesmo?
Romário - Não tem nada a ver. Fazer um gol aqui e dedicar às crianças pode ser legal, mas as crianças continuam com fome, pô. Gol não mata fome nem frio de criança. Temos que ir lá e fazer alguma coisa. Pegar dinheiro do nosso bolso, não só eu, não só Pelé, mas quem puder.
Folha - Você está rico?
Romário - Posso parar de jogar futebol a hora que quiser. Com certeza.

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