São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Romário quer ganhar Copa para entrar na história

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Romário quer ganhar a Copa para entrar na história

Folha - Na sua opinião, o jogador de futebol aceita tudo que lhe impõem?
Romário - Foi bom você fazer essa pergunta. Você sabe que o nível cultural do jogador de futebol não é muito alto. No Brasil, quando se fala em jogador de futebol, a opinião não muda: "É burro!" Nós mesmos, os jogadores, levamos as pessoas a pensarem assim. Folha - A maioria?
Romário - Acho que as coisas têm mudado muito. Há jogadores de futebol cultos, que falam três, quatro línguas. Jogadores que assimilam a cultura do país em que estão vivendo. Estamos conseguindo mudar isso. Eu me considero um cara importante na história dessa mudança. Não quero dizer que sou mais inteligente que ninguém. Sei que existem jogadores mais inteligentes que eu. Mas se você quiser falar comigo sobre política, vou falar sobre política. Sobre os problemas sociais do Brasil, também. Se quiser que eu fale alguma coisa da Espanha ou da Holanda, também vou falar.
Folha - Qual o jogador do passado cujo comportamento você admira?
Romário - Roberto Dinamite é um cara que sempre lutou pelos direitos dos companheiros. Havia um jogador do Botafogo, o Paulinho Criciúma, que também era assim. E o Afonsinho. Não me lembro dele jogando, mas sei que foi um cara inteligente.
Folha - Acha que suas atitudes
têm ajudado a classe?
Romário - Não sei. Tomo minhas atitudes pensando, primeiro, em mim. Não faço nada para as pessoas gostarem.
Folha – A respeito de seus problemas na seleção...
Romário - Antes da sua pergunta, vou fazer uma colocação. Saiu muito nos jornais, antes da Copa, que eu ia trazer minha família para os Estados Unidos. Que eu teria dito que o dinheiro era meu e pronto. Saiu também que eu queria viajar na janela do avião e que não abria mão disso. Mentira. Sobre a vinda da minha família, quando me disseram que a CBF não permitiria que eu a trouxesse, eu disse: "Tenho a minha independência, tenho o meu dinheiro... Se minha família tiver de ir, vai". É muito diferente de eu dizer que ela vinha de qualquer maneira. Sobre meu lugar na janela, ora... Não havia apenas três assentos no avião. Gosto de janela. Não abro mão dela nem no ônibus. Só não exijo janela em moto porque não dá.
Folha - Você acredita que esse episódio passou uma imagem antipática para o torcedor?
Romário - Claro que passou. Muitos acham que me faltou humildade. Recebi milhares de cartas me censurando por isso.
Folha - Essas coisas repercutem mais com você?
Romário - Comigo, repercutem mais. Sei que sou o culpado. Isso não vem à toa.
Folha - Em que você se sente culpado?
Romário - Talvez eu tenha feito coisas no passado, quando eu era mais jovem... Não existe jogador que venha da miséria, como eu vim, e ganhe algum dinheiro, e não modifique alguns atos. Não quer dizer que tenha perdido a humildade. Eu sou o mesmo cara. Mas eu chegava atrasado aos treinos, esse tipo de coisa que, hoje, leva as pessoas a terem de mim essa idéia, esse perfil.
Folha - Quer dizer, não é porque você ficou rico que mudou...
Romário - Não, eu sempre fui assim. E pra mim não é defeito, não. Sou feliz comigo mesmo. As pessoas dizem que estou vivendo uma grande fase. É verdade. Vivo uma grande fase porque estou de bem com a vida.
Folha - Você costuma ler o que escrevem a seu respeito?
Romário - Quando eu jogava no Vasco, tinha essa preocupação. Acho que era por causa da idade, ou por causa dos meus pais. Mais por causa de minha mãe. Muitas vezes publicavam coisas negativas a meu respeito, eu chegava em casa e encontrava minha mãe chorando. Coisas mentirosas. Um exemplo: que ia a um pagode e bebia. Eu nunca bebi, nunca fumei. O único vício que eu tinha era mulher. E agora, que estou casado, não tenho mais.
Folha - Você se queixa de que todo mundo que aparece ao seu lado, nos jornais ou na TV, é apresentado, indevidamente, como seu "segurança".
Romário - É, este é um problema. Tenho muitos amigos... Ou melhor, tenho poucos amigos, mas muitos camaradas, colegas, parceiros, desde que eu era garoto e mais ainda hoje, na praia, onde a gente faz muito conhecimento. Os jornais costumam exagerar. Por exemplo: o falecimento do Dener. O rapaz que estava com ele, o Oto, eu o conheço da praia. Eu não sabia do passado dele, nem me importava. Aconteceu a morte do Dener e logo saiu nos jornais que ele era meu segurança.
Mas houve caso mais recente...
Romário - É, uma apreensão de um caminhão com cocaína, lá no Rio, não sei o quê. Estava metido no meio um rapaz que já saiu ao meu lado numa fotografia. Conheci ele na praia, jogamos pelada juntos, saí pra jantar com ele. Só isso, mais nada. Já disseram que é meu segurança, meu amigo.
Folha - Mas quando do sequestro de seu pai você não desmentiu que tivesse pedido ajuda a traficantes...
Romário - Nunca disse que gostaria que os traficantes me ajudassem. Pedi ajuda, sim, ao povo carioca. Com isso eu me referia a todo o Rio. Você não sabe o que é passar o que eu passei. Era meu pai que estava ali. Minha mãe não podia dormir. Minha irmã de 13 anos estava desesperada. Meu irmão, um cara tranquilo, me ligava para Barcelona tremendo de medo. O apelo que fiz faria de novo.
(continua)

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